Obstetric Anaesthesia
INTRODUCÃO
Pontos-chave:
- A fisiologia comumente piora progressivamente em pacientes obstétricas graves
- A identificação de parâmetros fisiológicos anormais e a intervenção precoce podem evitar maior agravamento e reduzir a morbidade e mortalidade maternas
- Escores de Alerta Obstétrico podem ajudar a identificar grávidas em risco de complicações
- O Escore Precoce de Alerta Materno (EPAM) é um exemplo comumente usado de ferramenta de exames à beira do leito que permite rastrear os parâmetros fisiológicos, e quando um limite pré-definido é atingido, desencadeia uma avaliação à beira do leito por um profissional de saúde.
De acordo com o relatório “Mães e Bebês: Reduzindo o Risco por meio de Auditorias e Investigações Confidenciais no Reino Unido” (MBRRACE-UK), de 2016, a taxa de mortalidade materna é de 8,5 a cada 100.000 nascimentos.¹ Mais de 50% das mortes maternas são potencialmente preveníveis.² Nove grávidas desenvolvem complicações maternas graves para cada morte materna.³ Pode ser difícil reconhecer o agravamento em evolução em uma população por causa de alterações normais na fisiologia do periparto. Os atrasos no reconhecimento do agravamento e início do tratamento levam a resultados piores .²
Os Sistemas de Alerta Precoce (SAP) têm sido usados desde 1999 na população geral de pacientes para se identificar o agravamento clínico.4 O Sistema de Alerta Precoce Materno (SAPM) tem sido defendido com o propósito de reduzir a morbidade e mortalidade maternas, e de melhorar os resultados clínicos. ¹ O SAPM rastreia os parâmetros fisiológicos e a morbidade em evolução e, logo que um limite pré-determinado é atingido, desencadeia a avaliação por um profissional de saúde. O profissional de saúde determina uma avaliação adicional, tratamento ou intervenção, conforme necessário.
Muitas variações de SAPM obstétricos estão atualmente em uso, tais como o Sistema Modificado de Alerta Obstétrico Precoce (SMAO), a ferramenta de Gatilho de Alerta Precoce Materno Precoce (GAPM), e o Sistema Irlandês de Alerta Precoce Materno (SIPAM). Para os fins deste artigo, todos os escores e sistemas de alerta precoce na população obstétrica são mencionados como Escores de Alerta Materno Precoce (EAMP), a menos que especificado em contrário.
O relatório do Centro de Investigações Maternas e Infantis (CEMACE) de 2011 recomendou a introdução dos Escores de Alerta Materno Precoce (EAMP) em todas as maternidades ne Reino Unido.² As ferramentas EAPM têm sido recomendadas pela Associação de Anestesistas da Grã-Bretanha e Irlanda, a Associação de Anestesistas Obstétricos do Reino Unido, a Autoridade de Informações e Qualidade de Saúde da Irlanda, e a Parceria Nacional para Segurança Materna dos Estados Unidos.
A EXPERIÊNCIA NÃO-OBSTÉTRICA
Os Sistemas de Alerta Precoce (SsAP) têm sido usados na prática clínica desde 1999 em populações de pacientes não-obstétricas.4 Isso comumente envolve um sistema de gatilho baseado em parâmetros fisiológicos, onde um ou mais valores desencadeiam uma resposta. Às vezes, um sistema de pontuação agregada é utilizado onde os parâmetros fisiológicos recebem um valor e a pontuação total determina a resposta. A resposta consiste em um registro periódico dos sinais vitais feito pelo(a) enfermeiro(a), reconhecendo quando os limites tiverem sido atingidos, alertando um profissional de saúde e solicitando uma avaliação de leito. Os SsAP têm sido estudados em populações pediátricas, médicas e cirúrgicas. Em grupos médicos e cirúrgicos adultos, uma revisão sistemática mostrou que um SsAP anormal previu de forma confiável o óbito (AUROC*,0.88-0.93) e paradas cardíacas (AUROC*, 0.74-0.86).5 O impacto dos SsAP na prevenção de resultados adversos não foi claro.5
Um Escore Nacional de Alerta Precoce (ENAP) foi introduzido no Reino Unido em 2012.6 O sistema nacional padronizou a atenção e o manuseio clínico, simplificou a comunicação, e é importante para a validação de pesquisas.
Ao se considerar a eficiência dos SsAP, a sensibilidade e especificidade são importantes. Um sistema de altos falsos positivos pode aumentar as demandas sobre os serviços clínicos, causar fadiga de alarme e levar a intervenções desnecessárias. Além disso, para ser válido e confiável, um SAP eficiente deve ser adaptado ao ambiente clínico específico.6
* Área sob a Curva de Característica de Operação do Receptor
A EXPERIÊNCIA OBSTÉTRICA
Escores de Alerta Precoce Materno
Devido às alterações fisiológicas da gravidez, o EAPM para a população não-obstétrica não é diretamente transferível à população obstétrica.7 O sistema MEWS foi projetado para dar conta das alterações fisiológicas normais da gravidez. A intenção do EAPM é melhorar o reconhecimento de grávidas sob risco de deterioração clínica e facilitar a intervenção precoce.¹ Os gatilhos no sistema EAPM levam teoricamente a um reconhecimento precoce de condições que contribuem para a morbidade e mortalidade maternas, incluindo doença cardiovascular, septicemia, doença tromboembólica, hemorragia e pré-eclâmpsia.¹ O EAPM pretende orientar o julgamento clínico, e não substituí-lo.
Os EAPMs são utilizados extensivamente na prática obstétrica., mas os sistemas em uso variam significativamente.8 Os parâmetros comumente incluídos nos EAPMs são frequência cardíaca, pressão arterial e nível de consciência (tabela 1). Outros parâmetros, como escore de dor, características do lóquio e produção de urina às vezes são incluídos no escore ou registrados em uma tabela. A tabela 1 é um exemplo de vários parâmetros fisiológicos registrados como normais, amarelos ou vermelhos, dependendo de quão anormal é o valor quando comparado à fisiologia normal da gravidez. A figura 1 mostra um exemplo de um protocolo de escalonamento de intervenções apropriadas para grávidas que o desencadeiam. É importante ressaltar que, se o provedor de cuidado estiver preocupado com a grávida, deve-se discutir sua situação com a equipe médica sênior, independentemente do EAPM.
Além de identificar as pacientes em risco, o EAPM também melhora a confiabilidade de se tomar e registrar um conjunto completo de sinais vitais, p. ex.: a frequência respiratória geralmente não é medida nem registrada. A frequência respiratória é um dos parâmetros mais sensíveis quando se tenta identificar pacientes sob risco de deterioração.11 Um EAPM facilita a comunicação e fornece uma expectativa e padrão auditável para respostas da equipe médica à deterioração na fisiologia da grávida.
EVIDÊNCIAS PARA EAPM
A literatura sugere benefícios potenciais e apoia o uso do EAPM. Um estudo observacional prospectivo publicado em 2016 avaliando um EAPM relatou que 27% das mulheres desencadearam uma resposta, e 17% das mulheres atenderam aos critérios para morbidade obstétrica.9 Descobriu-se que o MEWS foi 86% sensível e 85% específico na previsão da presença de morbidade materna.9
Um estudo que comparou o valor preditivo de seis EAPMs diferentes na identificação de septicemia grave em mulheres com corioamnionite relatou uma faixa de sensibilidade de 40%-100% e uma faixa de especificidade de 4%-97%.10 Os autores concluíram que as ferramentas EAPM com desenhos mais simples tendiam a ser mais sensíveis, enquanto as mais complexas era mais específicas, e sugeriram que mais pesquisas são necessárias.10 Escores mais simples são mais confiáveis, menos propensos a erros humanos de cálculo, e têm maior reprodutibilidade.11
Em 2013, o Centro Nacional de Auditoria e Pesquisa em Terapia Intensiva (ICNARC) do Reino Unido relatou o primeiro sistema de escores de alerta precoce validado estatisticamente para grávidas.11 Um conjunto de dados de admissões obstétricas à unidades de terapia intensiva (UTI) foram analisados e o EAPM do ICNARC foi comparado a EAPMs pré-existentes, quanto a sua habilidade para prever a sobrevivência com base em parâmetros fisiológicos nas primeiras 24h na UTI.11 Descobriu-se que o EAPM do ICNARC teve alta sensibilidade e especificidade, com uma curva AUROC de 0.94 (95% CI 0,88 – 0,99).11
Um estudo prospectivo realizado em múltiplos locais em um grande sistema hospitalar fornece evidências para uma ferramenta EAPM alternativa, o Gatilho de Alerta Precoce Materno (GAPM).12 A introdução e uso da ferramenta em mais de 180.000 partos mostrou uma redução de 14% (p = 0,01) em morbidade materna composta, e uma redução de 18% (p = 0,01) em morbidade materna severa (conforme definidas pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças).
CONCLUSÃO
Os EPAMs são uma ferramenta promissora para a redução da morbidade e mortalidade maternas. A fim de melhorar os resultados de saúde, os EPAMs devem identificar pacientes sob risco de deterioração em um momento em que a intervenção precoce pode prevenir o progresso até a morbidade grave. Atualmente, não há evidências ou consenso sobre os parâmetros ideais ou níveis de gatilho para pacientes obstétricas.
Pesquisas adicionais são necessárias para se determinar o EAPM ideal.10 O estabelecimento de um escore padronizado nacionalmente pode potencialmente fornecer os dados necessários para analisar e refinar os parâmetros a fim de melhorar a sensibilidade e especificidade. Contudo, diferentes instituições podem se beneficiar ao adaptar os parâmetros de gatilho e ações dependendo dos recursos disponíveis. O EAPM é apenas uma parte do manejo de uma grávida em estado grave. Os resultados dependerão do escalonamento apropriado do cuidado e manejo fornecidos quando o EAPM for desencadeado.
RESUMO
Os relatórios de morbidade e mortalidade maternas descobriram que a resposta clínica à deterioração fisiológica aguda em grávidas às vezes é feita com atraso, e isso está associado a resultados ruins.2 O EAPM é uma ferramenta de análise que visa a melhorar a resposta à deterioração fisiológica em pacientes grávidas e a facilitar uma intervenção precoce. As pesquisas futuras devem focar na validação, refinação de parâmetros, alocação de recursos, e eficiência de custos do EAPM.
REFERÊNCIAS
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https://www.npeu.ox.ac.uk/downloads/files/mbrrace-uk/reports/MBRRACE-UK%20Maternal%20Report%202016%20-%20website.pdf [last accessed 20/05/18] - Centre for Maternal and Child Enquiries (CMACE). Saving Mothers’ Lives: reviewing maternal deaths to make motherhood safer: 2006–08. The Eighth Report on Confidential Enquiries into Maternal Deaths in the United Kingdom. Br J Obstet Gynaecol 2011;118 (Suppl. 1):1–203
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APÊNDICE
Um exemplo da tabela MEWS. Reproduzido com permissão de Northumbria Healthcare NHS Trust, Reino Unido.