Covid-19
PONTOS-CHAVE
COVID-19 é uma infecção potencialmente letal causada pelo vírus SARS-CoV-2.
As características clínicas do COVID-19 são geralmente não específicas e podem incluir tosse, febre e dispnéia.
Pacientes com infecção comprovada ou suspeita devem ser isolados e tratados por equipe médica com equipamento de proteção pessoal adequado. Algumas estimativas sugerem que 15% dos pacientes com COVID-19 que necessitam internação evoluirão para estado crítico com insuficiência respiratória e de outros órgãos.
Trombose microvascular e êmbolia pulmonar talvez sejam a característica proeminente da doença grave.
Pacientes que necessitam de internação na UTI devido ao agravamento da COVID-19 estão em alto risco de ventilação mecânica prolongada, falha na extubação e lesão renal aguda, 20-25% necessitam de terapia renal substitutiva.
INTRODUÇÃO
SARS-CoV-2 é o vírus responsável pela pandemia de conoravírus (COVID-19) de 2019. A transmissão se dá predominantemente via inalação de gotículas contendo o vírus vivo. O COVID-19 representa um desafio global de saúde sem precedentes. Até 1o. de junho de 2020 havia 6.189.560 casos confirmados no mundo todo e estima-se que 372.469 pacientes tenham morrido em decorrência da infecção (1). Entretanto, devido à limitação atual na capacidade global de realizar testes em larga escala, estes números podem representar uma subestimativa significativa em relação ao real impacto da doença. Em algumas casuísticas até 12% dos casos internados exigem suporte adicional que vai além do que pode ser oferecido em ambiente de enfermaria normal (2).
O objetivo deste artigo é oferecer aconselhamento prático a respeito da conduta e tratamento de pacientes em estado crítico da doença. Usamos uma abordagem de sistemas de órgãos e ressaltamos em especial as áreas onde a conduta diante destes pacientes difere daquela utilizada em outros pacientes críticos.
HISTÓRICO
Desde a descrição inicial de uma nova infecção respiratória viral em Wuhan, na China, no final de 2019, a COVID-19 tornou-se uma pandemia global. Na grande maioria dos indivíduos acometidos, a infecção causa sintomas semelhantes aos de uma gripe leve e, ainda que também haja relatos de infecção assintomática, alguns dos pacientes infectados evoluirão para uma doença grave que pode ameaçar a vida.
A característica principal da COVID-19 grave é insuficiência respiratória hipóxica. Pacientes com doença grave também podem evoluir para falência múltipla de órgãos progressiva. A base principal do tratamento atual é o atendimento de suporte, sendo que, atualmente, não há tratamentos específicos para pacientes com COVID-19 que tenham demonstrado melhora nos desfechos clínicos. Este artigo discutirá os elementos principais do atendimento de suporte para esses pacientes.
CONDUTA CLÍNICA
Via Aérea
Resumo das recomendações para intubação de emergência de pacientes adultos com COVID-19
A rota predominante de transmissão de SARS-CoV-2 é via inalação de gotículas contendo o vírus vivo. As cargas virais mais altas são encontradas no trato respiratório e se relacionam com a gravidade da doença (3,4). Em algumas casuísticas, 2.3% dos pacientes internados com COVID-19 e até 71.1% dos pacientes internados na UTI necessitaram ventilação mecânica invasiva (IMV) (5,6). A intubação representa um procedimento de alto risco tanto para o paciente quanto para a equipe. Como todos os procedimentos de geração de aerossol (PGA), entre eles a intubação traqueal, há o risco de transmitir a infecção para os profissionais da saúde, de forma que a proteção da equipe é um aspecto importante do manejo das vias aéreas.
A equipe de ventilação deve ser limitada ao menor número necessário. Todos os membros da equipe devem vestir equipamento de proteção individual contra geração de aerossol (EPIga), tendo sido previamente treinados em como vestir e como tirar o EPI (7). O EPIga adequado inclui luvas, jaleco de mangas longas resistente a líquidos, máscara facial adequada (N95 ou FFP3 equivalente) e proteção ocular como viseira ou óculos. Se os jalecos não forem resistentes a líquidos, um avental resistente a líquidos deve ser usado sobre o jaleco. O EPIga deve ser usado sempre que for realizado um procedimento de geração de aerossol e quando se estiver prestando atendimento direto a pacientes intubados e ventilados, devido ao risco de desligamento acidental do circuito de respiração.
O risco de contaminação para a equipe e a exigência do uso de EPI por parte da mesma durante a intubação, sem dúvida, complica a realização deste procedimento. Entretanto, os mesmos princípios se aplicam para qualquer outra intubação de emergência. Muitas diretrizes clínicas e listas de verificação (checklists) têm sido produzidas e seu uso é aconselhado. Uma lista de verificação produzida pelo Royal College of Anaesthetists do Reino Unido está reproduzida abaixo. A equipe deve consistir em intubador, assistente de intubação, administrador de fármaco e um circulanter. O circulante deve idealmente ficar fora do recinto onde está acontecendo o procedimento ou o mais longe possível, porém ainda conseguir se comunicar claramente com o resto da equipe (8). Quando houver disponibilidade, um carrinho específico para intubação de COVID-19 e uma sala de isolamento de pressão negativa devem ser usados para diminuir o risco de contaminação cruzada. O indivíduo com mais experiência em intubação deve manejar a via aérea para garantir maior sucesso de intubação na primeira passagem e o uso de videolaringoscopia é aconselhado. A Figura 1 ilustra um exemplo de lista de verificação cognitiva para intubação de emergência.
A sequência sugerida na lista de verificação abaixo pode ter que ser adaptada com base na disponibilidade de equipamentos e na prática comum. Abaixo estão alguns pontos que devem ser salientados:
- Prestar atenção especial ao planejamento do procedimento e designação de funções; é difícil se comunicar uma vez usando os EPIs.
- Fazer a pré-oxigenação com um Water’s (Mapleson C) ou circuito anestésico por 3-5 minutos e usar a técnica de duas mãos para assegurar o encaixe firme da máscara (Figura 2).
- Realizar uma indução de sequência rápida. A Cetamina 1-2 mg/kg é um agente de indução adequado. Se necessário, pode ser co-administrada com um opióide como fentanil 1 mcg/kg. O Rocurônio 1mg/kg ou suxametônio 1.5 mg/kg são relaxantes musculares adequados.
- Evitar ventilação com máscara manual se for seguro para o paciente, porém não na presença de hipoxia grave. Se necessário, use uma técnica de duas mãos, duas pessoas (Figura 2) com baixo fluxo e baixa pressão.
- Insufle o cuff antes da ventilação.
- Para evitar desligamento acidental, aperte e gire todas as conexões.
- Sempre colocar um filtro de troca de calor e umidade (HMEF), que incorpora um filtro microbiológico, entre o espaço morto e o circuito, a não ser que se esteja usando um circuito com umidificação, que deve ser posicionado ao final do ramo expiratório.
- Após a estabilização, os circuitos umidificados devem ser usados para pacientes de COVID-19 recebendo IMV. Os filtros HMEF devem ser verificados pelo menos a cada 12 horas para coleta de líquidos.
- Usar sucção em linha para minimizar desligamentos do circuito. Se for necessário o desligamento, considerar o clampeamento do tubo endotraqueal. Isto deve ser feito após uma pausa inspiratória em pacientes com hipoxia profunda, cuidando para não danificar o tubo, o que pode causar obstrução das vias aéreas.
Figura 1. Apoio visual/cognitivo para intubação de emergência de pacientes de COVID-19 patients. eFONA – acesso emergencial pela frente do pescoço, BVM –Bolsa-Valva-Máscara,
RSI –intubação de sequência rápida, SGA – via aérea supraglótica, MACOCHA score – Mallampati 3-4 (5 pontos), apnéia obstrutiva do sono (2 pontos), mobilidade reduzida da coluna cervical (1 ponto), abertura limitada de boca,3cm (1 ponto), coma (1 ponto), hipoxia ,80% (1 ponto), não anestésico (1 ponto). Reproduzido de (8).
- Usar algoritmos padrão para intubações fracassadas, entre eles um dispositivo supraglótico de segunda geração para resgate das vias aéreas, se necessário.
- A princípio cubra o equipamento de uso único e descarte-o assim que o paciente estiver na área onde se dará o restante do atendimento. Desinfecte os equipamentos reutilizáveis de acordo com as instruções do fabricante.
- Tire o EPI quando sair do quarto do paciente. Tenha cuidado e atenção para não contaminar a si e aos outros. Há vários recursos em video que oferecem orientação de como vestir e tirar o EPI, entre eles as orientações do Centro para Controle e Prevenção de Doenças (9).
Figura 2. (a) técnica de duas pessoas, duas mãos com a posição da mão em VE (b) a posição da mão em C, que deve ser evitada. Reproduzido de
(8), imagem original reproduzida com permissão do Dr. A. Matioc.
RESPIRAÇÃO
Respiratório
A insuficiência respiratória é uma marca registrada da infecção grave por COVID-19. A maioria dos pacientes hospitalizados necessitam oxigênio. Mundialmente há uma variação disseminada na disponibilidade e uso de suporte ventilatório para aqueles que desenvolvem insuficiência respiratória grave por COVID-19. Dentre os pacientes internados na UTI no Reino Unido, 60.7% receberam formas não invasivas de suporte respiratório, tal como oxigênio nasal de alto fluxo (ONAF) e ventilação não invasiva (VNI), e 71.1% receberam IMV (6). O suporte respiratório para o COVID-19 é uma área em evolução e a orientação especialmente quanto ao uso de técnicas como oxigênio nasal de alto fluxo (ONAF) e ventilação não invasiva (VNI) vem mudando. No início da pandemia foi sugerido que tanto a VNAF e a VNI eram contraindicadas, devido ao risco de aerossolização do SARS-CoV-2 e disseminação da infecção associados a essas técnicas. Mais recentemente tem havido um aumento crescente no uso de ambas as técnicas em várias partes do mundo, apesar das questões relacionadas ao alto consumo de oxigênio dos aparelhos de alto fluxo. Este aumento no uso de ONAF e VNI foi determinado, em parte, pelas dificuldades associadas à ventilação mecânica neste grupo de pacientes e também pela reavaliação do risco de infecção pelo HCW associada à ONAF, mais especificamente. Também tem havido um uso cada vez maior da posição prona, tanto para pacientes ventilados mecanicamente, como para os que recebem suporte ventilatório não invasivo. Ventilação prona, ONAF, VNI e IMV serão todos discutidos um a um.
Posição prona
A posição prona, se comparada à posição convencional supina, conforme foi demonstrado, melhora a oxigenação e diminui a mortalidade em pacientes ventilados mecanicamente com SARA moderada a grave (10). Recentemente, tem havido um uso cada vez maior da posição prona em pacientes de COVID-19 que recebem suporte respiratório básico. O que é importante é que a posição prona não exige qualquer especialista ou equipamento especial e muitos pacientes não sedados em uso de máscara de oxigênio facial, ONAF ou VNI podem até conseguir se virar para a posição prona. Pacientes mecanicamente ventilados que respondem à posição prona, conforme demonstrado por uma melhora na oxigenação, devem permanecer pronados por até 12-16 horas de cada vez. Isto deve, então, ser repetido diariamente até que a oxigenação melhore. Pacientes acordados podem não tolerar passar tanto tempo pronados. Para minimizar o tempo gasto na posição supina, os pacientes que recebem suporte respiratório básico podem ser aconselhados a alternarem as posições supina e prona, bem como lateral esquerda e direita (11).
Sugestão para indicações de posição prona com paciente acordado:
Confirmação ou suspeita de COVID-19 e
Necessitando de oxigênio inspirado em frações (FiO2) 0.28 para alcançar SpO2 94-95% (ou 88-92% se houver risco de hipercapnia)
Sugestão para indicações de posição prona de pacientes ventilados mecanicamente:
Confirmação ou suspeita de COVID-19 e razão Pa02: FiO2 (razão P:F) de, 150 mmHg
Contraindicações absolutas para a posição prona:
Necessidade de intubação imediata
Comprometimento hemodinâmico significativo
Agitação/estado mental alterado
Lesão torácica / lesão espinhal instável
Contraindicações relativas para a pronação:
Lesões faciais
Convulsões
Obesidade mórbida
2o ou 3o trimestre de gestação
Úlceras de pressão anteriores
Cirurgia abdominal recente
Oxigênio nasal de alto fluxo (ONAF)
O ONAF demonstrou uma redução na mortalidade aos 90 dias na insuficiência respiratória hipóxica aguda de pacientes não COVID-19, entre eles os pacientes com Síndrome da Angústia Respiratória Aguda (SARA), se comparado à máscara facial e VNI (12). Apesar de recomendações anteriores irem contra o uso de ONAF em pacientes com COVID-19, as opiniões tëm mudado em relação a isto. Atualmente, o ONAF é recomendado como terapia respiratória não invasiva de primeira linha pelo Instituto Nacional de Saúde (National Institute of Health) do Reino Unido, pela Sociedade Européia de Medicina Intensiva e, para alguns grupos de pacientes, pela Organização Mundial da Saúde. (13–15).
O ONAF deve ser considerado para pacientes que não conseguem, ou não se acredita que irão conseguir, manter saturações de oxigênio adequadas enquanto recebem oxigênio máximo através de uma máscara facial com reservatório, ou uma máscara de “não reinalação”. Entretanto, um teste com ONAF não serve para todos os pacientes e é necessária uma triagem cuidadosa. A paliação pode ser adequada para alguns pacientes. Ademais, pacientes muito hipóxicos ou que exercem muito esforço para respirar têm mais probabilidade de falha no teste com a terapia de ONAF (16). Estes pacientes podem, ao invés disso, necessitar ventilação mecânica imediata. Quanto aos pacientes que serão submetidos a um teste com o CPAP, deve-se levar em conta as seguintes considerações:
Esclarecer os limites de cuidados e informar a UTI sobre o paciente, se julgar adequado.
Cumprir com as medidas locais acordadas para controle de infecções. Há uma variação significativa mundialmente em relação a isto. A prática aceitável varia desde o uso de salas de pressão negativa, salas de tamanho padrão, agrupamento de pacientes infectados e atendimento de pacientes suspeitos ou confirmados em enfermarias padrão, desde que estejam usando uma máscara cirúrgica por sobre a cânula de alto fluxo.
A equipe deve usar EPIga adequado o tempo todo.
Deve haver disponibilidade de um escalonamento rápido do cuidado, por exemplo o fornecimento de intubação de sequência rápida e transferência para a UTI.
Avaliar a resposta dentro de 30-60 minutos após início do ONAF
Não havendo risco de insuficiência respiratória hipercárbica tipo 2, a amostragem da linha arterial e/ou gases sanguíneos arteriais pode não ser necessária, desde que haja monitorização contínua do SpO2. Configurações iniciais sugeridas: Fluxo 40 l/min e FiO2 titulado para a gravidade da hipoxia (sugere-se no mínimo 0.6)
Ter como meta SpO2 94-96%, a não ser que haja risco de insuficiência respiratória tipo 2 (nesse caso considerar IMV ou BIPAP)
Considerar a posição prona e verificar o SpO2 após cada mudança de posição. Pacientes que permanecerem na posição supina devem ser colocados na posição sentada até 30-60 graus.
Na ausência de melhora ou na piora deve-se considerar prontamente uma revisão de UTI.
Suporte ventilatório não invasivo.
Pressão positiva contínua das vias aéreas (CPAP)
Embora em alguns países o CPAP tenha sido recomendado como suporte não invasivo de primeira linha para pacientes hipóxicos com COVID-19, isto ainda é controverso (17). O CPAP não substitui a necessidade de IMV, porém seu uso precoce pode retardar ou evitar a necessidade de IMV. Alguns pontos importantes a serem considerados para a utilização de CPAP em pacientes com COVID-19 são muito semelhantes àqueles enumerados anteriormente em relação ao uso de ONAF. As configurações iniciais sugeridas são CPAP 10 cm H2O e um FiO2 titulado para alcançar a meta SpO2 de 94-96%, exceto na presença de insuficiência respiratória tipo 2 aguda ou crônica agudizada, sendo que, neste caso, a meta SpO2 entre 88-92% é adequada.
Pressão positiva das vias aéreas em dois níveis (BIPAP)
A ventilação não invasiva geralmente não é necessária em pacientes de COVID-19 com pulmões anteriormente normais, uma vez que a complacência está geralmente preservada na fase inicial da doença. Entretanto, em pacientes que estão aguardando intubação devido ao grande esforço de respiração, o BIPAP pode ser considerado como uma terapia de ponte. Do contrário, o BIPAP deve ser reservado para os aqueles que apresentarem insuficiência respiratória crônica agudizada com acidose respiratória documentada (17).
Ventilação mecânica invasiva
Fenótipos
Tem-se postulado que há dois fenótipos distintos em pacientes com COVID-19 (18). Esta hipótese, que permanence controversa, pode ser útil para entender por que diferentes pacientes com insuficiêcia respiratória devido ao COVID-19 podem responder a diferentes tratamentos, como acontece com alguns indivíduos em diferentes momentos no curso da doença. (18) Os dois fenótipos foram designados como ‘Tipo-L’ e ‘Tipo-H’.
Tabela 1. Características que definem o fenótipo adaptadas de (18)
Foi sugerido que, durante os estágios iniciais da doença do COVID-19, os pacientes apresentam-se com o fenótipo Tipo-L. Eles então fazem a transição para o Tipo-H à medida em que a doença progride (18). Foi sugerido também que a transição do Tipo-L para o Tipo-H pode ser causada pela própria pneumonia do COVID-19 ou pela lesão pulmonar autoinfligida pelo paciente (P-SILI). Acredita-se que esta última seja causada pela respiração espontânea de alto volume corrente (Vt). O Tipo-H se comporta de modo semelhante à Síndrome da Angústia Respiratória Adulta (SARA).
Estratégias Ventilatórias
Abordagens iniciais para a provisão de ventilação mecânica para pacientes com COVID-19 refletiam as estratégias usuais empregadas na SARA. Entretanto, alguns sugerem que esta abordagem, utilizando altos níveis de pressão expiratória final positiva (PEEP), poderia ser prejudicial durante a fase inicial da doença (fenótipo Tipo-L) (19,20). Uma vez que, desde o início, os pacientes Tipo-L tem pulmões complacentes, sugeriu-se que valores Vt mais elevados, de até 8-9 ml/kg nestes pacientes, podem ser adequados, principalmente para reduzir a incidência de hipercapnia e atelectasia por absorção associada a um Vt mais baixo, embora isto permaneça muito controverso e vá contra o tratamento basico da SARA. Isto, juntamente com níveis mais baixos de PEEP (8-10 cm H2O) pode reduzir lesão pulmonar induzida pelo ventilador (VILI) e a progressão para o fenótipo Tipo-H. Os pacientes que fazem a transição para o fenótipo Tipo-H se comportam muito mais como pacientes com SARA clássicos e exigem níveis de Vt mais baixos (5-6 ml/kg) e de PEEP mais elevados (até 15 cm H2O) (20). A Figura 3 contém um resumo das recomendações clínicas para SARA leve a moderada. A Tabela 2 enumera as metas fisiológicas sugeridas. Ambas são discutidas mais a fundo no texto.
Passo 1
Configurações iniciais do ventilador (22,23)
Passo 2
Estratégias para otimizar a oxigenação
Faça o desmame de FiO2 para manter a meta de SpO2 inicial por volta de 92-96% (14). A meta de saturação de oxigênio pode ser ainda mais reduzida na presença de problemas graves de oxigenação.
Figura 3. Resumo das recomendações clínicas para ventilação para COVID-19. Adaptado de (13). Pplat – platô de pressão.
Tabela 2. Metas sugeridas ao iniciar a ventilação mecânica invasiva. * Hipercapnia permissiva pode ser necessária para limitar a lesão pulmonar induzida pelo ventilador e é bem tolerada se o paciente estiver hemodinamicamente estável até um pH mínimo de 7.1 7.15 (21)
- No caso de >50 ml/cm H2O considerar estratégia de PEEP mais baixo (<10 cm H2O) e um Vt de até 8 ml/kg (fenótipo Tipo-L), embora Vt mais elevado permaneça controverso.
- No caso de <50 ml/cm H2O considerar estratégia de PEEP mais elevado (até 15 cm H2O) e um Vt mais baixo de até 6 ml/kg (fenótipo Tipo-H)
No caso de pressão de distensão >14 cm H2O reduzir Vt até <14 cm H2O (Vt mínimo 4ml/kg) (14,24) razão P:F <200 mm Hg:
- Considerar BNM (preferível em bôlus)
- Considerar estratégia de PEEP mais elevado (monitorizar para barotrauma)
- Considerar ventilação em posição prona por 12-16 horas
- No caso de ventilação prona, assíncrona ou Pplat>30 cm H2O considerar infusão de BNM por 24 horas
Passo 3
Terapias de Resgate
Se a razão P: F não melhorar, as seguintes estratégias devem ser consideradas para ambos os grupos:
Posição prona, se já não estiver
Infusão de bloqueio neuromuscular por 24hrs, especialmente no caso de pressões inspiratórias dissíncronas ou altas. Entretanto, há dados conflitantes nos estudos clínicos em relação ao uso de bloqueio neuromuscular; o estudo ACURASYS de 2010 demonstrou um benefício na mortalidade em 90 dias com o uso de cisatracúrio, porém o estudo mais recente ROSE não demonstrou um benefício na mortalidade (25,26).
Encaminhamento para oxigenação por membrana extracorpórea, se houver disponibilidade.
Terapias adjuvantes tais como prostaciclina ou óxido nítrico podem ser consideradas, embora as evidências na SARA não COVID-19 sugiram que não haja benefício na mortalidade com o uso rotineiro destes agentes (14). Tanto o óxido nítrico inalado quanto a prostaciclina (epoprostenol) podem melhorar o equilíbrio V/Q e ambos podem também aliviar a carga de um ventrículo direito em falência, assim como a prostaciclina endovenosa.
Considerar a ventilação com liberação de pressão nas vias aéreas (APRV) se houver familiaridade com este modo (embora não haja benefício de sobrevida comprovado associado a este modo de ventilação), uma vez que pode melhorar a oxigenação e reduzir o número de dias com ventilação (27).
Desmame da ventilação mecânica
O desmame deve ser realizado com muita cautela. Há uma preocupação com o fato de que a tentativa muito precoce de respiração espontânea aumente a demanda de oxigênio, promova edema pulmonar e coloque o paciente em risco de P-SILI devido às pressões intratorácicas negativas excessivas. A redução de suporte ventilatório deve ser realizada cuidadosamente e as tentativas de respiração espontânea somente devem ser tentadas no final do processo de desmame (20).
Tabela 3. Configurações sugeridas para o ventilador ao iniciar a ventilação mecânica invasiva
Extubação
Uma tentativa de desmame com uma visão para a extubação deve ser considerada assim que os pacientes tenham cumprido com os seguintes critérios (ou semelhantes) e tenham um índice de respiração rápida menor que 100-105 enquanto em modo de ventilação espontânea (28):
Estado cognitivo cooperativo quando sem sedação
Tosse adequada
Ausência de secreções excessivas
SpO2 ≥90% com FiO2 0.4
Suporte de pressão ≤10 cm H2O
PEEP ≤8 cm H2O
RR <35/minuto
Vt >5 ml/kg
Capacidade vital >10 ml/kg
Pressão inspiratória máxima de ≤ 20-25 cm H2O
Taxas de falha de extubação de até 60% em pacientes com COVID-19 têm sido relatadas nas primeiras 24-48 horas (24). Um fator que contribui para isto é um aumento na incidência de edema de vias aéreas clinicamente significativo. Para reduzir a probabilidade de falha de extubação, as seguintes medidas foram sugeridas (19):
Verificar rotineiramente se há permeabilidade audível no cuff quando este estiver desinsuflado antes de alguma extubação planejada.
Não vá adiante se não houver permeabilidade. A orofaringe deve ser submetida à sucção antes da desinsuflação do cuff de modo a minimizar a probabilidade de microaspiração.
Fazer fisioterapia torácica e sucção traqueal conforme neecessário
Considerar a administração de dexametasonaa endovenosa (4mg cada 6 horas) nas 24 horas anteriores à extubação.
Administrar adrenalina nebulizada (5 ml de 1:1000) se houver presença de estridor pós-extubação.
Depois da extubação, os pacientes com COVID-19 comprovada devem usar uma máscara cirúrgica por cima de uma máscara de oxigênio ou cânula nasal. A orientação vigente sugere que, a não ser que o paciente tenha tido dois testes negativos de reação em cadeia da polimerase e transcrição reversa para coronavirus com intervalo de 24 horas, continuará representando risco de infecção (15). Esta é uma área controversa, entretanto, muitos centros continuam a agrupar estes pacientes até que recebam alta. Pode ser necessário realizar traqueostomia, porém sob cuidadosa consideração.
CARDIOVASCULAR
Doença cardiovascular pré-existente é comum em pacientes com COVID-19; a incidência de hipertensão e cardiopatia isquêmica neste grupo é de 17.1% e 16.4% respectivamente (29). Pacientes com COVID-19 e doença cardiovascular subjacente têm maior probabilidade de necessitar tratamento intensivo e, uma vez internados na unidade de terapia intensiva, apresentam taxa de mortalidade mais elevada, até cinco vezes mais alta em alguns estudos (4). Muitos pacientes encontram-se profundamente desidratados ao darem entrada no hospital. Isto os coloca em risco aumentado de complicações cardíacas e renais, especialmente se uma estratégia de líquidos excessivamente conservadora for utilizada, que não leva em conta as perdas pré-existentes. Foi observada insuficiência cardíaca em até um quarto dos pacientes com COVID-19, sendo que a metade deles não tinha história prévia de cardiopatia. Isto, combinado com a potencial disfunção ventricular direita observada na SARA, aumenta o desafio de oferecer a estes pacientes a ressuscitação hídrica adequada (30). Nesta seção discutiremos as complicações cardiovasculares específicas relatadas na COVID-19 e detalharemos algumas estratégias de suporte hemodinâmico adequado.
Miocardite
Da mesma forma que outros tipos de coronavirus anteriores, como o da Síndrome Respiratória do Oriente Médio, o COVID-19 tem associação com lesão do miocárdio e miocardite. Os pacientes podem apresentar dor torácica, dispnéia, insuficiência ventricular esquerda e arritmias (30). Tanto o infarto do miocárdio quanto a miocardite causarão níveis anormais de troponina aumentados e um eletrocardiograma pode não diferenciar as duas patologias. Por esta razão, a ecocardiografia (ECO) pode ser útil; anormalidades na mobilidade regional da parede (AMRP) estão frequentemente presentes no infarto do miocárdio, enquanto pacientes com miocardite geralmente terão disfunção na mobilidade global da parede, sem AMRP (30). Devido à inflamação sistêmica e aos estados hipercoaguláveis vistos no COVID-19, os pacientes têm também risco aumentado de síndromes coronarianas agudas, entre elas os infartos de miocárdio com e sem elevação do segmento ST.
Agentes Vasoativos
As diretrizes da campanha Sobreviver à Sepse para o tratamento de pacientes com COVID-19 não sugerem alteração nas metas de pressão arterial média (PAM) sugeridas para pacientes com sepse (60-65 mm Hg em pacientes sem história prévia de hipertensão). Quando for necessário suporte vasoativo, a noradrenalina deve ser usada como agente de primeira linha. A adrenalina e a vasopressina são adequadas como agentes de segunda linha, se a noradrenalina não estiver disponível (14). Se a meta de PAM não for atingida apesar da terapia com noradrenalina, a vasopressina deve ser considerada como um agente adicional.
Insuficiência Cardíaca e Choque
Pacientes com evidências de insuficiência cardíaca na ecografia ou ao exame clínico podem necessitar dobutamina, além da noradrenalina, quando a hipoperfusão persistir apesar da reanimação hídrica adequada (14).
Choque Refratário
Corticoesteróides de baixa dosagem (ex. hidrocortisona endovenosa 50mg 4 vezes ao dia) devem ser considerados para pacientes com choque refratário (14).
Disfunção Ventricular Direita
A disfunção ventricular direita (VD), que inclui cor pulmonale, é uma complicação reconhecida do COVID-19. Assim como é observado na SARA clássica, a disfunção de VD está comumente associada a um aumento na mortalidade (31). Ela resulta em instabilidade hemodinâmica devido aos efeitos combinados de aumento de pós-carga, resultantes da inflamação e trombose dos capilares alveolares e pulmonares, além da hipercapnia, hipóxia e ventilação mecânica. A administração de mais líquidos neste contexto pode exacerbar a disfunção do VD devido à sobrecarga hídrica (32). A monitorização de NT-proBNP ou troponina T cardíaca também pode ser usada para oferecer uma indicação de piora da disfunção do miocárdio. A tabela 4 apresenta um detalhamento de algumas abordagens que podem ser úteis para reduzir a disfunção ventricular direita (33). A disfunção do VD pode ser diagnosticada clinicamente conforme está resumido na tabela 5, porém, quando disponível, a ecocardiografia é o método de investigação de escolha.
Está claro que algumas das metas na tabela 4 podem ser impossíveis de serem atingidas, particularmente em pacientes com SARA grave. Além da posição prona, vasodilatadores pulmonares (ex. epoprostenol) ou inodilatadores (ex. levosimendana e milrinona) têm sido utilizados para reduzir a pós-carga no ventrículo direito através da redução da vasoconstricção pulmonar hipóxica (33).
Investigações sobre disfunção ventricular direita
Tromboprofilaxia e anticoagulação
Uma taxa de trombose mais elevada do que a esperada tem sido observada em pacientes críticos com COVID-19 (34). Tanto a doença venosa tromboembólica (VTE) espontânea quanto a provocada tem sido observada. Portanto é adequado adotar-se um limiar mais baixo para realizar o exame de imagem nestes pacientes, de modo a descartar a doença VTE. O acometimento arterial, como em um acide te vascular cerebral, também foi relatado, porém não é tão comum. Além de coágulos de grandes vasos, foram relatados microtrombos na microvasculatura pulmonar. Acredita-se que estes contribuam para a perfusão pulmonar insuficiente na ausência de êmbolos pulmonares (EP) demonstráveis (34). As diretrizes de consenso internacional para todos os aspectos da terapia anticoagulante ainda estão sendo aguardadas. Na prática, tanto as infusões de heparina de baixo peso molecular (HBPM) quanto de heparina não fracionada estão sendo utilizadas. É necessária a modificação de dosagem de HBPM em pacientes com clearance de creatinina <30ml.min1. Sempre que disponíveis, os níveis do fator anti-Xa devem ser usados para monitorar a eficácia da terapia com HBPM.
Onde houver alto índice de suspeita clínica de que um paciente tem EP e sinais de estado hipercoagulável, tais como marcadores inflamatórios elevados, deve-se considerar anticoagulação terapêutica, mesmo que os exames de imagem demorem ou não estejam disponíveis, desde que não haja contraindicações (34).
INCAPACIDADE
O uso de sedação profunda é frequentemente necessário para facilitar a ventilação mecânica em pacientes com função respiratória muito comprometida. Com base em relatos, observamos que muitos pacientes com COVID-19 necessitam doses mais elevadas de sedativos do que seria esperado em pacientes igualmente em ventilação mecânica com insuficiência respiratória por outras causas. Para minimizar as complicações associadas à sedação profunda, que incluem delírio e ventilação mecânica prolongada, o nível de sedação deve ser avaliado com frequência, utilizando um método reconhecido e sempre adaptado às necessidades clínicas. A infusão de um opióide e benzodiazepinico ou propofol é uma combinação comum para a analgesia e sedação de pacientes ventilados. Há muitas pouca evidência da superioridade de um regime em relação ao outro. Agentes adicionais, como clonidina e hidrato de cloral podem ser eventualmente necessários.
Tabela 4. Estratégia para reduzir a disfunção ventricular direita
Tabela 5. Investigações invasivas e não invasivas para a disfunção ventricular direita
EQUILÍBRIO HÍDRICO
Ao apresentarem-se no hospital, muitos pacientes encontram-se significativamente desidratados. Isto pode contribuir com a taxa de lesão renal aguda maior do que a esperada, aumento no risco trombótico e alterações na relação V/Q. Uma solução cristalóide balanceada deve ser usada para reanimação aguda de pacientes com COVID-19 em choque. Uma vez que os pacientes estiverem adequadamente reanimados, o objetivo é manter a euvolemia. Uma estratégia hídrica conservadora para atingir euvolemia demonstrou anteriormente que melhora a função pulmonar, reduz a duração da ventilação invasiva e tempo de internação na UTI, sem aumento de insuficiência de órgãos extrapulmonares na lesão pulmonar aguda, quando comparada a uma estratégia liberal (35). É importante reconhecer que a disfunção VD aguda pode mimetizar a hipovolemia grave (ex. taquicardia, baixo débito cardíaco, alta variação da pressão de pulso). A fluido-responsividade deve ser avaliada utilizando-se os métodos e padrões disponíveis. A administração de diuréticos pode ser adequada para reduzir edema e excesso de equilíbrio hídrico positivo na ausência de evidências de instabilidade cardiovascular, má perfusão e choque.
Terapia renal substitutiva
A lesão renal aguda é comum no COVID-19; foi relatada em até 35% dos casos de UTI no Reino Unido e acima de 20% das internações por COVID-19 no Reino Unido receberam terapia renal substitutiva (6,24). Há muitas causas em potencial para esta alta incidência de insuficiência renal como, por exemplo, uma estratégia hídrica muito conservadora, microtrombos renais ou mesmo lesão viral direta dos túbulos renais. Os pacientes devem ser tratados de acordo com diretrizes estabelecidades e baseadas em evidências. A hipercoagulabilidade pode ser responsável pela alta incidência observada de coagulação dos circuitos de filtragem. Para evitar isto, pode ser necessário combinar a anticoagulação regional do circuito com citrato com a anticoagulação terapêutica, utilizando uma infusão de heparina não fracionada ou heparina de baixo peso molecular (HBPM) (19). Muitas unidades instituíram a monitorização da terapia com HBPM usando ensaios de fator Xa devido a questões relativas à resistência adquirida à heparina.
Assim como ocorreu com as mudanças nos protocolos de anticoagulação, a pandemia de COVID-19 também exigiu mudanças na administração da terapia renal substitutiva em si. Há relatos de escassez de equipamentos para realizar o suporte renal e escassez de líquidos de substituição. Por estas razões, alguns centros desenvolveram protocolos para a administração de hemodiálise e diálise peritoneal intermitentes, bem como a utilização de taxas mais elevadas de terapia renal substitutiva por um período mais curto de tempo, de modo a permitir o compartilhamento dos hemofiltros entre os pacientes (19).
SISTEMA IMUNE
Linfohistiocitose Hemofagocítica Secundária (LHHs), Síndrome de Ativação de Macrócitos (SAM) e Síndrome Antifosfolípide Catastrófica (SAFC)
Estas são síndromes hiperinflamatórias incomuns que podem ser desencadeadas por pneumonias virais graves (36). As síndromes estão associadas à falência múltipla de orgãos, perfil elevado de citocinas e podem estar associadas à trombose (ex. SAFC). Para os pacientes com trombocitopenia e trombose, a trombocitopenia induzida por heparina (TIH) também deve ser considerada.
As características incluem:
Febre que não baixa
Citopenias
Elevação da ferritina
SARA
Todos os pacientes com COVID-19 grave então em risco para síndromes hiperinflamatórias e o diagnóstico exato pode permitir opções de tratamento específicas como, por exemplo, a metilprednisolona, quando adequada. Recomenda-se orientação especializada em Hematologia ou Reumatologia.
TRATAMENTOS ESPECÍFICOS E ESTUDOS EM ANDAMENTO
Conforme está detalhado neste artigo, a base do tratamento do COVID-19 é de suporte, do mesmo modo que o tratamento de outros pacientes com pneumonia viral com insuficiência respiratória. Os principais princípios de cuidado incluem o uso de diretrizes baseadas em evidências para o tratamento de pacientes com SARA (23,37). Até a publicação deste artigo, não havia evidências de estudos clínicos randomizados (ECR) em favor de qualquer tratamento específico para COVID-19. Entretanto, há 331 estudos que estão averiguando as intervenções farmacológicas (38).
CONSIDERAÇÕES ÉTICAS
Uma pandemia apresenta desafios morais, logísticos e médicos muito difíceis para a força de trabalho. As decisões devem ser norteadas pelos seguintes princípios éticos (39):
- Justiça e equidade
- Dever de cuidar
- Dever de preservar recursos
- Transparência nas decisões
- Constância
- Proporcionalidade
- Assumir responsabilidade
Para proteção contra danos morais e para prestar apoio aos indivíduos, as decisões difíceis acerca de internação, alocação de recursos e retirada do tratamento que sustenta a vida devem, idealmente, ser tomadas por mais de um médico. Quando se considera internação em UTI, as discussões devem envolver os médicos intensivistas. Na UTI, decisões importantes como o potencial de retirada do tratamento que sustenta a vida devem ser tomadas por uma equipe multidisciplinar. Estas decisões também devem ser discutidas com o paciente e seus representantes, sempre que possível.
A responsabilidade de cada médico pela sua decisão permanence a mesma durante uma pandemia. As decisões devem estar de acordo com as diretrizes locais e/ou nacionais e devem ser documentadas de forma clara e atual. Os membros dos comitês de Ética e os comitês podem ajudar com as decisões particularmente difíceis, especialmente quando houver desacordo entre a equipe médica e o paciente ou seus representantes. Sempre que houver capacidade, a internação em UTI deve proceder normalmente. Onde recursos como leitos forem limitados, os pacientes devem ser alocados com base em um sistema de triagem adequado. O sistema de triagem específico deve ser mantido sob revisão, para que, à medida em que o conhecimento e compreensão da condição aumentam, aqueles pacientes com maior capacidade de se beneficiarem sejam priorizados no atendimento.
Reanimação Cardiopulmonar (RCP)
Uma discussão que aborda as metas de cuidado e a ordem de não reanimação (ONR) deve ser realizada assim que possível. Durante essas discussões deve-se informar que certos recursos, como leitos de UTI, podem estar em falta caso o sistema de saúde em questão entre em crise, onde alguns aspectos do atendimento comum podem não ser possíveis devido a uma limitação grave de recursos (40). A falta de recursos e a necessidade de maximizar o número de vidas salvas pode levar à não tentativa de RCP em circunstâncias específicas. Isto pode ocorrer porque um paciente foi considerado, através de um processo de triagem transparente e justo, ineligível para a UTI, ou deteriorando apesar de um período de cuidado ideais intensivos(40). Ao realizar RCP, é essencial que os profissionais da saúde estejam protegidos. Isto exige que as equipes usem o EPI completo e adequado antes de tentar a reanimação e somente médicos com experiência em intubação de emergência devem tentar proteger a via aérea (40).
FORÇA DE TRABALHO E LOGÍSTICA
Equipes
Parte da proteção dos pacientes é garantir que os profissionais da saúde estejam protegidos, para que possam continuar a prestar atendimento. Profissionais que têm mais de 70 anos de idade ou que possuam comorbidades que os coloquem em risco durante a pandemia devem considerar o afastamento do atendimento direto de pacientes. Neste caso, pode ser possível designar funções que os mantenham longe do contato direto com os pacientes, como funções de telemedicina, logística ou planejamento.
O aumento na ocupação de leitos, aliado aos altos níveis de doença na equipe, levou muitos hospitais a desenvolver novos modelos de trabalho, com o objetivo de assegurar que o atendimento seja prestado a todos os pacientes atingidos da forma mais segura possível durante toda a pandemia. Isto tem envolvido o deslocamento de equipes de outras áreas para as enfermarias e UTIs, o que apresenta um desafio em termos de aptidões, uma vez que alguns membros podem não estar envolvidos com o atendimento direto a este tipo de pacientes há algum tempo. A capacitação é uma tarefa imensa. Algumas áreas que precisam de enfoque especial são as seguintes:
Colocação e retirada segura do equipamento de proteção individual
Orientação para a UTI ou outro ambiente novo
Desenvolvimento de procedimentos operacionais padronizados para os medicamentos, terapias e procedimentos, como a posição prona
Tratamento agudo de emergências médicas comuns
Interpretação de investigações comuns de beira do leito
Como realizar tarefas administrativas simples como preencher alta hospitalar ou atestado de óbito
Trabalhar em um ambiente com o qual não se está familiarizado pode provocar ansiedade no profissional da saúde. O treinamento presencial adequado pode ser útil nessa situação. Se isto não for suficiente, deve-se providenciar avisos e sinalização adequada para dar suporte aos serviços. O bem-estar como um todo é extremamente importante para combater a fadiga da equipe e qualquer morbidade psicológica duradoura. Deve haver informações visíveis e acessíveis para o bem-estar da equipe, para que possa ser oferecido o suporte oportuno.
Cadeias de suprimento
A pandemia do COVID-19 tem colocado sob pressão sem precedentes os sistemas de saúde, entre eles várias cadeias de suprimento hospitalar. As áreas mais preocupantes incluem o fornecimento de ventiladores, oxigênio, fármacos para sedação, fluidos para terapia renal substitutiva, aparelhos e máquinas. Vários orgãos nacionais tem orientado os hospitais neste sentido. Alguns pontos específicos a serem enfatizados são:
Oxigênio
- CPAP e ONAF exigem taxas elevadas de fluxo de oxigênio. Deve-se haver discussões logo no início com representantes de engenharia médica para avaliar se o suprimento de oxigênio disponível será suficiente para atender a demanda. Há ferramentas de cálculo online que permite aos hospitais quantificarem a oferta e demanda de oxigênio para prever onde podem surgir problemas de suprimento (41). Em alguns hospitais, novos evaporadores com isolamento a vácuo tiveram que ser instalados para atender as demandas projetadas. Pode ser prudente também fornecer oxigênio via concentradores, quando possível, para aliviar o ônus do suprimento por tubulação. Uma solução projetada especificamente para uso em ambientes de baixos recursos são as máquinas anestésicas como a Diamedica Glostavent® Helix, que evita a necessidade de fornecimento de oxigênio por tubulação, por ter um concentrador de oxigênio integral que permite a administração de até 10 l/min (42).
Fármacos anestésicos
- Os departamentos de anestesia devem considerar a administração de anestesia regional e neuraxial sempre que possível, para preservar os níveis de estoque de fármacos como propofol e cetamina que podem ser necessários para indução de anestesia ou sedação na UTI. Quando for necessária anestesia geral, agentes de indução alternativos, como tiopentona, devem ser considerados (43). Agentes anestésicos voláteis, ao invés de métodos totalmente endovenosos, devem ser utilizados para oferecer anestesia de manutenção, a não ser que os últimos sejam esfecificamente indicados. Pode também haver problemas de fornecimento com o Cis/ atracúrio e o rocurônio. O vecurônio, o pancurônio e o suxemetônio foram sugeridos como agentes alternativos. Tembém pode ser necessário considerar agentes alternativos à morfina. Algumas opçõespossíveis incluem opióides alternativos (oxicodona, tramadol, petidina), bloqueios anestésicos locais e infusões, fármacos antiinflamatórios não esteróides e clonidina. Para uma listagem completa de fármacos alternativos para prática anestésica, ver o apêndice 1.
Equipamentos
- A demanda para bombas volumétricas, bomba de seringa, bombas de alimentação enteral e máquinas de terapia renal substitutiva será alta duurante a pandemia. Estratégias como hemodiálise intermitente, alimentação em bôlus ou o uso de seringas mistas adequadas com fármacos podem ser necessárias.
REABILITAÇÃO
Os pacientes críticos de COVID-19 que sobrevivem apresentam alta incidência de morbidade física e psicológica significativas. O ideal é que a rehabilitação inicie na UTI, com o envolvimento da equipe de terapia, como fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, psicólogo(a) e fonoaudiólogo(a), quando necessário. Espera-se que isto reduza o ônus individual e social desta pandemia.
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