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Paediatric Anaesthesia

Tutorial 418

Manejo Transfusional Perioperatório no Paciente Pediátrico

Dr. Jared Spilka1†, Dr. Susan M. Goobie2

  1. Pesquisador Clínico em Anestesia Pediátrica, Hospital Infantil de Boston, EUA
  2. Professora Associada de Anestesiologia, Faculdade de Medicina de Harvard, EUA

Editado por: Dra. Faye Evans, Associada Sênior em Anestesia Perioperatória, Hospital Infantil de Boston, EUA

Autor Correspondente: Jared.Spilka@childrens.harvard.edu

Publicado em 18 de fevereiro de 2020

Published February 18, 2020

PONTOS-CHAVE

  • A avaliação de fatores de risco relacionados ao paciente e ao procedimento para hemorragia, o desenvolvimento de programas de manejo clínico dos quadros hemorrágicos, e uma terapia intraoperatória direcionada por metas e específica para cada caso são estratégias importantes para redução da morbidade e mortalidade associadas à hemorragia pediátrica.
  • As metas primárias no manejo de hemorragia são a manutenção da estabilidade hemodinâmica, a oferta  de oxigênio e a perfusão de  órgãos vitais, a prevenção de coagulopatias, além da redução de  danos associados à transfusão de componentes sanguíneos, incluindo a sobrecarga circulatória associada à transfusão (TACO, na sigla em inglês) e  a lesão pulmonar aguda associada à transfusão (TRALI, da sigla em inglês).
  • As quantidades de componentes sanguíneos usados em transfusão maciça, o uso de estratégias adjuvantes de terapia incluindo antifibrinolíticos, e a reanimação volêmica pós-operatória  são componentes fundamentais durante  do manejo transfusional do paciente.
  • O desenvolvimento de um sistema multidisciplinar de manejo transfusional do paciente é importante para a abordagem efetiva e segura das  demandas do paciente com hemorragia maciça.

INTRODUÇÃO

O manejo da hemorragia e transfusão maciça foi descrito em adultos por meio de estudos e experiência em situações de combate militar. Demonstrou-se que o uso de torniquetes, as estratégias de reanimação com controle de danos, o uso racional e equilibrado de transfusão sanguínea, e a terapia antifibrinolítica são fatores importantes na diminuição da mortalidade relacionada ao trauma (1). O
tratamento da hemorragia maciça em crianças é menos definido e muitas estratégias foram extrapolados a partir da literatura e técnicas utilizadas no trauma em adultos(2). As crianças não são adultos em miniatura e estratégias baseadas em evidências especificamente voltadas para o manejo de hemorragia e transfusão maciças em crianças devem ser utilizadas para ajudar a reduzir a morbidade e mortalidade evitáveis(3). Essas estratégias devem incluir a conscientização dos fatores relacionados ao paciente, do risco do procedimento, a preparação para uma potencial hemorragia em situações de alto risco, e uma terapia intraoperatória direcionada a metas com particular ênfase na prevenção da bem descrita tríade letal (coagulopatia, acidose e hipotermia) associada à transfusão maciça. Este tutorial apresenta uma diretriz para o manejo do quadro hemorrágico no paciente pediátrico especificamente no período perioperatório.

DEFININDO A HEMORRAGIA EM CRIANÇAS

Definição e Etiologia

Na população pediátrica, a hemorragia maciça pode ser definida como a perda sanguínea que excede um volume sanguíneo circulante (VSC) em até 24 horas, a perda sanguínea de 50% do VSC em até 3 horas, ou transfusão a uma taxa de 10% do volume sanguíneo total (VST) a cada 10 minutos(4). Esta definição requer que o provedor calcule o volume sanguíneo circulante estimado (VSCE) baseado no peso do paciente.

A transfusão maciça não tem uma definição de consenso. Uma definição útil tem origem na literatura de combate. Em pacientes pediátricos feridos, a transfusão de mais de 40 ml/kg nas primeiras 24 horas após a lesão é considerada uma transfusão maciça, e está associada a um risco aumentado de óbito hospitalar(6). A hemorragia pode ocorrer em qualquer situação cirúrgica em crianças, mas é mais notável em traumas, transplante de fígado, cirurgia cardíaca, cirurgia da coluna vertebral, procedimentos neurocirúrgicos (malformações arteriovenosas, veia de Galeno), e procedimentos minimamente invasivos nos quais o controle direto do sangramento pode ser problemático. O risco de hemorragia também pode estar aumentado devido a fatores relacionados ao paciente, incluindo transtornos sanguíneos herdados, como doença de Von Willebrand e hemofilia, ou a transtornos de sangramento adquiridos como coagulopatia dilucional (4). Um alto nível de vigilância para sangramento perioperatório deve ser estabelecido em pacientes com esses fatores de risco hemostático.

METAS DO MANEJO DE HEMORRAGIA NO PACIENTE PEDIÁTRICO

O manejo de hemorragia deve empregar terapias direcionadas a metas que busquem:

  1. Promover a estabilidade hemodinâmica acompanhada pelos sinais vitais
  2. Manter a perfusão e a oferta de oxigênio a órgãos vitais
  3. Reduzir o dano e os efeitos colaterais associados à transfusão (4)
  4. Evitar a transfusão excessiva através do uso de testes laboratoriais e da utilização apropriada de componentes sanguíneos.
  5. Prevenir a tríade letal de coagulopatia, acidose e hipotermia (3)

Enquanto se tenta debelar a hemorragia e controlar o sangramento, o manejo de hemorragia pode ser alcançado por terapia orientada por metas que inclui a transfusão de componentes sanguíneos apropriados.

Contudo, até que os componentes sanguíneos estejam disponíveis, a terapia inicial pode requerer bolus de soluções cristaloides ou colóides. Essa estratégia deve ser realizada com cuidado, pois grandes quantidades podem contribuir para uma coagulopatia dilucional (3). Manter pressão arterial apropriada durante uma hemorragia maciça pode exigir o uso de medidas para se ganhar tempo, como suporte de vasopressores(4). Níveis apropriados de pressão arterial variam com a idade e tendem a aumentar de acordo com a idade. Recomenda-se que a pressão arterial sistólica (PAS) média seja mantida >55 mm Hg em recém-nascidos prematuros, e >110 em adolescentes(5). O lactato, a medida do déficit de bases e a produção de urina podem ajudar a monitorar a perfusão em órgãos vitais
(3). O monitoramento não-invasivo da oxigenação cerebral (espectrometria de infravermelho; NIRS, em inglês) também pode desempenhar um papel de destaque pois foram observados aumentos na tensão de oxigênio do tecido cerebral após transfusão de concentrado de hemácias(3).

Riscos da Transfusão

Há vários fatores de risco e efeitos colaterais que devem ser considerados durante o manejo de hemorragia. A transfusão de componentes sanguíneos pode levar a reações hemolíticas transfusionais, bem como a reações não-hemolíticas, como a lesão pulmonar aguda relacionada à transfusão (TRALI), sobrecarga circulatória associada à transfusão (TACO), e imunomodulação relacionada à transfusão (TRIM). Hemocomponentes sanguíneos estocados também podem causar toxicidade de citrato e alterações eletrolíticas, como hiper ou hipocalemia, hipocalcemia e hipomagnesemia (2, 4). Devemos ficar atentos durante situações de transfusão maciça pois esses eventos podem alterar significativamente o desfecho e o tratamento precoce das complicações é fundamental.

Recomenda-se que o risco de hipercalemia seja reduzido em crianças com menos de 1 ano ou abaixo de 10 kg pelo uso de hemocomponentes lavados ou hemácias “frescas” coletadas até 7 dias antes da transfusão(7). Essa população apresenta alto risco de parada cardíaca por hipercalemia associada à transfusão em comparação a adultos, devido ao baixo volume circulante e à imaturidade renal. (5)

Manejo Sanguíneo do Paciente (MSP)

O Manejo Sanguíneo do Paciente é a estratégia de aplicação de conceitos clínicos e cirúrgicos baseados em evidências para manter a concentração de hemoglobina, otimizar a hemostasia e minimizar a perda sanguínea e obter desfechos mais favoráveis(8). O desenvolvimento de um programa multidisciplinar de Manejo Sanguíneo do Paciente (MSP) é importante para abordar, de maneira efetiva e segura, as demandas exigidas por um paciente com hemorragia maciça. Este programa deve incluir protocolos para direcionar a disponibilidade de produtos sanguíneos após o início de um evento de transfusão em larga escala, gatilhos de transfusão para ativar tal evento, e a quantidade/proporção de produtos sanguíneos fornecidos no evento. A estruturação proporciona uma otimização segura e efetiva do uso de componentes sanguíneos enquanto se reduz o número de transfusões desnecessárias. Essa estratégia pode eduzir a morbidade e a mortalidade para o paciente, e diminuir os custos do tratamento para a instituição(8).

MANEJO PRÉ-OPERATÓRIO

Em casos cirúrgicos com um alto risco de hemorragia maciça ou em casos em que as comorbidades do paciente contribuam para o aumento do risco de hemorragia maciça, o planejamento pré-operatório cuidadoso é essencial. Devemos colher uma anamnese e exame médico completos, além de exames laboratoriais apropriados.

Os estudos laboratoriais pré-operatórios devem ser utilizados para se avaliar qualquer coagulopatia ou anemia existente. Caso estejam presentes, essas condições devem ser tratadas no momento certo e, se possível, a cirurgia eletiva deve ser adiada para otimização clínica. Deve-se considerar a suplementação de ferro para anemia por deficiência de ferro (4). O tratamento de condições pré-existentes de hemostasia, como hemofilia e doença de Von Willebrand, deve ser instituído.

A doação autóloga de sangue é outra estratégia pré-operatória a ser considerada em situações específicas, como quando é difícil encontrar doadores devido a anticorpos, ou quando seu tipo sanguíneo é raro. Contudo, tal prática não é rotineiramente recomendada, dada a relação risco-benefício desfavorável. Os riscos incluem a indução de anemia pré-operatória e erros administrativos associados à doação autóloga (4).

O uso de embolização pré-operatória pode ser benéfico em situações específicas como malformações arteriovenosas (MAVs) ou tumores cuja ressecção cirúrgica tenha um alto risco de hemorragia maciça. Contudo, a embolização tem o risco associado mais um ato anestésico e o risco de lesão durante o procedimento de embolização, que pode por si só exigir o tratamento da hemorragia. A realização do procedimento pode não estar prontamente disponível em muitos locais. (4)

O banco de sangue deve ser consultado precocemente, e a tipagem sanguínea com prova cruzada devem ser realizadas antes de procedimentos de risco, de forma que produtos sanguíneos apropriados possam estar disponíveis para o paciente. Componentes sanguíneos compatíveis devem estar prrontamente disponíveis em situações de alto risco. Em algumas situações, pode ser necessário liberar transfusão de emergência.

MANEJO INTRAOPERATÓRIO

A hemorragia intraoperatória pode ocorrer de forma súbita e imprevisível. Os protocolos de Manejo Sanguíneo do Paciente (MSP) devem contemplar um plano de manejo de hemorragia maciça testado – incluindo um protocolo de transfusão maciça (PTM) – e em vigor caso ocorra tal situação. Esse plano deve ser adaptado para corresponder às capacidades da instituição. Aspectos que devem ser considerados ao se desenvolver diretrizes de hemorragia maciça são as estratégias intraoperatórias de conservação de sangue, os tipos e quantidades de componentes sanguíneos a serem utilizados no momento da hemorragia e terapias adjuvantes que possam ser utilizadas em associação à transfusão.

Cálculo do Volume Sanguíneo

Em todos os casos cirúrgicos, recomenda-se calcular o volume sanguíneo estimado (VSE) com base no peso de acordo com a Tabela 1. A fórmula pode ser usada para calcular a volume máximo de perda sanguínea permitido (VMPSP) por meio do seguinte cálculo:

VMPSP = VSE X (HCTI– HCTF ) / HCTI

HCTI = Hematócrito inicial e HCTF = Hematócrito mínimo aceito para o paciente (5).

Exemplo: Um bebê de 1 ano (9 kg) do sexo masculino candidato a reparo de craniossinostose tem um HCTI de 34% (0,34). Seu VSE seria de aproximadamente 720 ml (9 kg x 80 ml/kg). Supondo um HCTF mínimo aceito de 25%, o VMPSP seria calculado da seguinte forma:,

VMPSP = 720ml X (0,34 – 0,25) / 0,34 = 720ml X 9 / 0,34 = 190ml

O HCTF pode variar dependendo das comorbidades, mas valores de 21 a 25% (com uma meta restritiva de hemoglobina correspondente de 7 g/dL em um paciente hemodinamicamente estável, ou 8 g/dL em um paciente com sangramento ativo) geralmente são usados em pacientes previamente saudáveis (4,9). Esses valores levam em consideração os riscos da perda sanguínea contra o risco de transfusão decomponentes sanguíneos e fundamenta uma metodologia de transfusão restritiva.

Manejo de Hemorragia

Um bom acesso venoso e, se possível, arterial, são essenciais em pacientes que apresentem um quadro hemorrágico. Nesses casos, um acesso intravenoso (IV) de grande calibre deve ser obtido antes do procedimento para permitir uma rápida infusão de líquidos. Acesso venoso central, dissecção venosa ou infusão intraóssea podem ser úteis em caso de hemorragia, mas devem ser realizados de
acordo com a experiência pessoal. Um cateter central 18G tem uma taxa de vazão semelhante a um acesso IV com cateter 24G. (5) O acesso central, bem como o arterial, pode ser utilizado para coleta de sangue. O acesso central pode ser um local mais seguro para infusão de vasopressores. Cada um dos locais de punção venosa central (veia femoral, veia subclávia, veia femoral) tem seus próprios riscos e que devem ser considerados antes de se obter o acesso. (5)

Em muitas circunstâncias, um volume de 10 a 20 ml/kg de concentrado de hemácias deve ser utilizado para a transfusão inicial. (3) Em hemorragias maciças súbitas, pode ser necessário um volume ainda maior.

No caso de hemorragia maciça que exija transfusão maciça, a transfusão de glóbulos vermelhos deve ser contrabalanceada com a transfusão de outros hemocomponentes a uma razão de volume de 1:1:1:1 de concentrado de hemácias (CH), plasma fresco congelado (PFC), plaquetas e crioprecipitado para prevenir coagulopatia enquanto se mantém uma oferta adequada de oxigênio aos tecidos. (3,4,11) A transfusão de plasma fresco congelado (PFC), plaquetas e crioprecipitado deve ser considerada no manejo de hemorragia maciça quando a perda do VSCE é maior que 50% do volume sanguíneo total. (3,4). A administração de produto sanguíneo deve ser direcionada por metas e orientada pelos exames e laboratoriais, como a tromboelastografia (TEG ou ROTEM), se disponíveis. (3,4)

A transfusão sanguínea causa alterações laboratoriais devido à diluição, bem como à hemólise e aos componentes de conservantes sanguíneos. As análises de eletrólitos e da coagulação devem ser usados sempre que disponíveis. Contudo, o tratamento empírico de algumas alterações pode ser instituído mesmo que os exames não estejam disponíveis (acidose e hipocalcemia por exemplo) (4) O cálcio pode ser reposto com gluconato de cálcio (30-100 mg/kg) ou cloreto de cálcio (20 mg/kg) (5) e a acidose pode ser revertida com bicarbonato de cálcio (1 mEq/kg). (5) O cloreto de cálcio pode causar necrose tissular caso ocorra infiltração subcutânea e deve ser administrado apenas por acesso venoso central. O gluconato de cálcio é um medicamento mais seguro para administração periférica. Deve-se observar também os níveis de magnésio e potássio e caso estejam alterados devem ser corrigidos. A hipercalemia, hipocalemia e a hipomagnesemia estão muitas vezes associadas à transfusão de grandes volumes. (4)

O limiar mínimo seguro da contagem de plaquetas em crianças não foi determinado, mas uma contagem de 500 x 109 plaquetas/L é atualmente considerado adequada durante sangramento ativo na população adulta. (10). A transfusão de 5-10 ml/kg de plaquetas aumentará a contagem de plaquetas em 50-100 x 109 plaquetas/L. (4), o que também foi observado de maneira semelhante na população pediátrica. O PFC deve ser usado para a transfusão na dose de 10-15 ml/kg. (4) e o seu uso pode manter os níveis de fibrinogênio, que caso chegue a níveis < 150-200 mg/dL pode alterar a coagulação . (4) Os níveis de fibrinogênio devem ser mantidos acima de 150 mg/dL durante transfusão maciça para otimizar a hemostasia. O crioprecipitado e o concentrado de fibrinogênio são as melhores opções para reposição de fibrinogênio.

Protocolo de Hemorragia Maciça

Um quadro de hemorragia súbita representa um desafio para os anestesiologistas, pois os hemocomponentes podem não estar imediatamente disponíveis, os pacientes podem deteriorar a condição clínica rapidamente e o acesso intravenoso pode não ser o ideal. É nessa situação que seguir um protocolo de hemorragia maciça, que também incorpore um protocolo de transfusão maciça (PTM), pode ser muito benéfico. (8) É importante para a organização de saúde ter um protocolo estabelecido que permita a liberação imediata de produtos sanguíneos em bases pré definidas. (11) Muitas instituições pediátricas fornecem unidades baseadas no peso do paciente a fim de conservar produtos sanguíneos para a instituição (isto é, um volume sanguíneo para uma criança de 5 kg pode exigir apenas a reposição de 1 unidade de hemocomponente, enquanto um adolescente de 25kg necessitaria de várias unidades do mesmo produto). Além de reduzir a pressão sobre o sistema local de saúde, a disponibilidade imediata de produtos sanguíneos pode permitir que o anestesiologista utilize uma abordagem orientada por metas para a transfusão quando receber os produtos, e pode reduzir o uso excessivo de soluções cristaloides, prevenindo, assim, uma coagulopatia desnecessária em potencial. (11)

Em hemorragias maciças e especialmente imprevistas, os PTMs devem ser rapidamente ativados. Qualquer protocolo de transfusão maciça deve ser coordenado entre os agentes envolvidos (isto é, banco de sangue, enfermeiros, UTI). No caso de ativação do PTM, a meta deve ser a equipe do banco de sangue disponibilizar os hemocomponentes antes mesmo da necessidade, para que estejam disponíveis para rápido emprego. (11)

Considerações sobre Terapias Adjuvantes

É essencial, durante um quadro de hemorragia maciça, considerar terapias adjuvantes físicas e farmacológicas para ajudar a reduzir os efeitos fisiológicos da hemorragia maciça. Essas terapias visam prevenir a tríade letal de coagulopatia, acidose e hipotermia. (4) A temperatura corporal deve ser monitorada , e o aquecimento ativo usando-se aquecedores de ar, lâmpadas irradiantes de calor, cobertores aquecidos, aquecimento do ambiente e dos hemocomponentes recentemente descongelados. (4)

Podem-se usar técnicas de recuperação celular (“Cell Saver”) com coleta de sangue autólogo do campo cirúrgico para processamento e transfusão. Em crianças, pode ser difícil coletar células recuperáveis em quantidades adequadas para a transfusão. A recuperação celular pode ser mais bem empregada em pacientes > 10 kg e com > 40% de perda sanguínea. Há controvérsias acerca do uso de recuperação celular em cirurgias oncológicas ou na ocorrência de hemólise. Também se reconhece que possa não ser uma estratégia razoável de manejo na maioria dos hospitais . (4)

O uso de terapia antifibrinolítica como adjuvante na redução do sangramento cirúrgico foi avaliado tanto na população adulta quanto na pediátrica. (12) O ácido tranexâmico (ATX), um inibidor de ativação da plasmina, é um dos antifibrinolíticos comumente utilizados. [Mais informações sobre o ATX podem ser encontradas no Tutorial ATOTW nº 406] Vários estudos mostraram sua utilidade na população pediátrica durante procedimentos com perda sanguínea prevista. (13) O estudo PED-TRAX estabeleceu que o ATX está associado a uma redução da mortalidade no trauma pediátrico (14) e definiu que “a administração no momento correto do ATX nos pacientes está associada a uma maior taxa de sobrevivência, e esse benefício parece se estender à população pediátrica.” (14) A faixa terapêutica ideal do ATX é a dose de ataque de 10 a 30mg/kg (máx.: 2 gramas) infundidos em 15 minutos seguida por infusão de 5 a 10 mg/kg/h. (4,15) Essas doses demostraram maximizar o efeito enquanto reduzem os efeitos colaterais, incluindo convulsões. (15) O ATX foi usado com segurança em pediatria, mas é contraindicado em pacientes com doença tromboembólica ativa ou condições de coagulopatia de consumo. Apresenta ainda contraindicação relativa em pacientes portadores de disfunção renal e doença trombótica adquirida. (15)

MANEJO PÓS-OPERATÓRIO

Depois da cirurgia, os pacientes geralmente permanecem instáveis após o tratamento do quadro de hemorragia maciça. Muitas vezes requerem Eles podem requerer reposição volêmica com produtos sanguíneos e terapia adjuvante. Não é incomum que crianças desenvolvam sobrecarga circulatória associada à transfusão (TACO) e lesão pulmonar aguda associada à transfusão (TRALI), o que pode exigir suporte cardiovascular e respiratório adicionais. (4) com suporte de terapia intensiva e contribuindo assim para a sobrecarga do sistema de saúde.

CONCLUSÃO

A hemorragia maciça na população pediátrica apresenta um alto risco de morbidade e mortalidade. Em muitas situações o risco pode ser reduzido por meio do planejamento pré-operatório, manejo intraoperatório, e terapia pós-operatória. As estratégias apropriadas de reposição sanguínea, incluindo o uso de um protocolo multidisciplinar de transfusão maciça, podem reduzir o risco dos pacientes, enquanto alivia parte da sobrecarga imposta ao sistema de saúde. Os protocolos devem ser desenvolvidos e adaptados de acordo com os recursos disponíveis. Além disso, é essencial que essas estratégias sejam frequentemente revistas e que sejam adaptadas conforme novos estudos se tornem disponíveis acerca da maneira mais segura de manuseio da hemorragia nesta população específica.

REFERÊNCIAS

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