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General Topics

Tutorial 389

Pré-otimização de Hemoglobina

Dr. Michael Jarvis1 e Dr. Kolitha Seneviratne2

¹Pesquisador Clínico em Anestesia, Hospital King Mill’s, Reino Unido
² Anestesista Consultora, Hospital King’s Mill, Reino Unido

Editado por
Dr. Matthew Doane
Especialista de Equipe, Departamento de Anestesia Real de North Shore, Sydney, Austrália

Correspondência para atotw@wordpress-1154955-4022140.cloudwaysapps.com

16 out 2018

PONTOS-CHAVE

  • A anemia é um fator contribuinte comum, geralmente reversível, da morbidade e mortalidade pós-operatória.
  • Recomenda-se um hemograma completo em todos os pacientes submetidos a cirurgias de grande porte/complexas, ou naqueles com comorbidades significativas programados para cirurgia de porte intermediário.
  • Exames relacionados ao ferro devem ser realizados em caso de anemia, para orientar o manejo da patologia subjacente.
  • Diferentes tipos de anemia podem coexistir no mesmo paciente.
  • A correção da anemia pode levar vários meses; então, as opções de tratamento devem ser avaliadas considerando-se a urgência da cirurgia.

INTRODUÇÃO

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define a anemia como uma concentração de hemoglobina de <130 g/L para homens, 120 g/L para mulheres não-grávidas, e <110 g/L para mulheres grávidas1. Globalmente, estima-se que 41,8% das mulheres grávidas, 30,2% de mulheres não-grávidas, 12,7% de homens e 23,9% de idosos (acima de 60 anos) sejam anêmicos, segundo esses critérios2. A anemia pré-operatória é um fator de risco para morbidade e mortalidade pós-operatórias em cirurgia não-cardíaca; onde até os menores desvios abaixo da faixa normal estão associados com piores resultados 3,4.

Hemácias

A hematopoiese é a formação dos componentes celulares do sangue a partir de células-tronco hematopoiéticas presentes nos ossos longos de crianças e na pelve, esterno, crânio e vértebras de adultos. Conforme as hemácias se desenvolvem, elas sintetizam hemoglobina e seus núcleos encolhem. Quando liberadas na circulação, o núcleo foi perdido e as células são chamadas reticulócitos. A maturação de eritrócitos ocorre até 24 horas após a liberação.

A hemácia típica circula por aproximadamente 120 dias, após os quais é removida da circulação pelos macrófagos no fígado, baço, e medula óssea. A hemácia é o veículo responsável pelo transporte de hemoglobina, e, portanto, do oxigênio, em volta do corpo. Entender a equação abaixo destaca os fatores-chave que afetam a oferta de oxigênio aos tecidos.

Figura 1.

Figura 1. A equação demonstra os fatores que determinam a oferta de oxigênio aos tecidos. DO2 = Oferta de oxigênio (ml/min/m2); CO = Débito cardíaco (ml/min); 1,34 = Constante de Huffner, a quantidade de oxigênio capaz de se ligar por grama de hemoglobina (ml O2 / g Hb); [Hb] = Concentração de hemoglobina (g/dl); SaO2 = saturações de oxigênio-hemoglobina arteriais; 0,003 = Capacidade de carreamento de plasma pelo oxigênio (ml O2/100ml sangue); PaO2 = Pressão parcial do oxigênio no sangue arterial

Ao nível do mar, os dois fatores mais importantes que determinam a oferta de oxigênio são o débito cardíaco (CO) e a concentração de hemoglobina ([Hb]). A anemia pode, então, ter um impacto significativo na oferta de oxigênio. Em momentos de estresse fisiológico (p. ex.: cirurgia), pode resultar em hipóxia tecidual.

Rastreamento

Orientação do Instituto Nacional de Excelência em Saúde e Cuidados do Reino Unido (United Kingdom National Institute for Health and Care Excellence – NICE) sugere que um hemograma completo deve ser realizado no pré-operatório para todos os pacientes eletivos submetidos a cirurgias de grande porte ou complexas. Isto também se aplica a pacientes com ASA 3 ou 4 com sintomas cardiovasculares ou renais a serem submetidos a cirurgia de porte intermediário 5.

Se uma anemia não-diagnosticada previamente for identificada, deve-se conduzir a investigação detalhada do histórico e relacionada ao ferro, a fim de diferenciar ainda mais o tipo de anemia e orientar o tratamento. O algoritmo abaixo auxilia no diagnóstico das causas mais comuns de anemia.

Figura 2.

Figura 2. Classificação da anemia. Anemia em hemograma completo definido de acordo com as definições de anemia da OMS1 Adaptado da figura original de Munoz et al6.

CLASSIFICANDO A ANEMIA

Anemia com Baixa Ferritina (<30ng/ml)

Anemia por Deficiência de Ferro

Esta é a forma mais comum de anemia no mundo todo1 e resulta de baixa ingestão de ferro na dieta, pouca absorção, altos requisitos (como gravidez ou rápido crescimento), ou de perda sanguínea crônica. Causas comuns de perda sanguínea crônica são menorragia, sangramento gastrointestinal crônico ou quebra mecânica de hemácias (como por válvulas cardíacas mecânicas).

Tratamento

O ferro via oral é uma intervenção barata para deficiência de ferro na dieta. O tratamento precisa ser iniciado ao menos oito semanas antes da cirurgia, e continuado no pós-operatório. Geralmente, há pouca adesão à terapia oral do ferro por causa dos efeitos colaterais gastrointestinais, e da duração do tratamento (alguns casos exigem até seis meses para que as reservas de ferro sejam repostas).

O ferro por via intravenosa (IV) geralmente é mais bem tolerado do que os preparos orais, mas carrega um risco de 0,024% a 0,068% de anafilaxia (após sensibilização), dependendo do preparo usado7. O tratamento com ferro intravenoso é recomendado para quem não tolera ou absorve o ferro oral, pessoas com deficiência funcional de ferro, ou quando a urgência cirúrgica não permite tempo suficiente para que uma terapia de ferro oral seja eficiente8. Um aumento de hemoglobina é tipicamente observado em uma ou duas semanas, com o efeito de pico observado por volta de seis semanas. Os estudos que avaliaram o impacto da terapia pré-operatória de ferro intravenoso em cirurgia ortopédica ou cirurgia abdominal de grande porte demonstraram uma menor necessidade de transfusão de hemácias no pósoperatório9,10.

Casos Especiais de Anemia por Deficiência de Ferro

A anemia falciforme pode ser uma causa significativa de anemia, dependendo da localização geográfica. As anormalidades genéticas na estrutura das hemácias resultam em maior produção secundária à decomposição de eritrócitos frágeis, ou de sequestro esplênico. A gravidade da doença é determinada por seu fenótipo genético. A transfusão pré-operatória de hemácias pode ser indicada para tratar uma anemia absoluta, ou para aumentar a quantidade de hemácias normais presentes. Pacientes homozigotos para a condição correm maior risco de serem afetados, e têm mais probabilidade de precisar de transfusão para tratar sua doença, em comparação a uma simples anemia numérica. As diretrizes locais devem ser buscadas, incluindo-se a orientação de um hematologista especialista. A menos que já tenha sido diagnosticada, um alto índice de suspeição e investigação sobre o histórico familiar é vital.

A malária é endêmica ao redor do equador; em particular, África subsaariana, partes das Américas, e Ásia. O histórico do paciente geralmente é altamente sugestivo de um estado infeccioso. Exames de hemograma completo e de função hepática podem mostrar uma imagem mista de hemólise, deficiência de ferro, eritropoiese, e lesão direta do fígado. O diagnóstico é confirmado por esfregaços grossos e finos de sangue com coloração para Plasmodium falciparum. A suspeita de infecção ou um estado infeccioso conhecido devem acarretar o envolvimento direto de especialistas em doenças infecciosas, e a consideração quanto a se a cirurgia deve ser adiada até que o tratamento seja concluído e a anemia tenha sido resolvida. A suplementação de ferro durante a infecção ativa está associada a taxas de mortalidade mais altas em populações pediátricas11.

A perda crônica de sangue se apresentará como uma anemia por deficiência de ferro com alta contagem de reticulócitos, conforme a medula óssea compensa liberando mais hemácias imaturas na circulação. A causa deve ser investigada no pré-operatório, e o manejo apropriado instituído antes da cirurgia. Em pacientes idosos, a anemia criptogênica consistente com perda sanguínea crônica sempre deve causar preocupação para a presença de tumores gastrointestinais.

Válvulas cardíacas mecânicas podem causar quebra e lise de hemácias, produzindo um aumento na bilirrubina com elevada contagem de eritrócitos. Isso provavelmente é crônico, enquanto a elevada regeneração de hemácias pode produzir uma coexistente anemia por deficiência de ferro. O manejo envolve transfusão periódica para controlar os sintomas, com consideração de substituição da válvula cirúrgica caso haja mau funcionamento.

Anemia com Nível de Ferritina de 30-100ng/ml

Anemia de Doença Crônica com Anemia por Deficiência de Ferro

Um estado inflamatório crônico geralmente é sugerido pelo histórico, mas pode coexistir com uma anemia por deficiência de ferro. Uma proteína C reativa (PCR) na ausência de patologia aguda sugere uma inflamação crônica.

Causas comuns:

  • Transtornos autoimunes e de tecido conjuntivo; p. ex.: artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico, esclerodermia, ou doença inflamatória intestinal
  • Infecção crônica; p. ex.: tuberculose, hepatite ou HIV
  • Doença crônica; p. ex.: doença renal crônica, diabetes, doença pulmonar obstrutiva crônica, ou insuficiência cardíaca
  • Tumor maligno; p.ex.: linfoma, leucemia, mieloma múltiplo ou carcinoma de células renais
  • Doença grave ou trauma importante

Tratamento

O foco primário é o manuseio da condição subjacente. Reduzir a inflamação aumenta a absorção de ferro pelo intestino e aumenta a ação da eritropoietina, melhorando assim a utilização das reservas de ferro. Onde coexistir uma deficiência de ferro, o tratamento deve ser como discutido anteriormente.

Anemia com Ferritina >100ng/ml

Anemia de Doença Crônica

Níveis de ferritina >100ng/ml, na presença de inflamação crônica, podem indicar sequestro de ferro. Deve-se ter cuidado ao interpretar um aumento na ferritina por si só, pois ela também aumenta como um reagente de fase aguda. Se a microscopia revelar eritrócitos hipocrômicos, então está presente uma anemia por deficiência de ferro coexistente.

Tratamento

Como mostrado acima.

Anemia com Exames de Ferro Normais

B12 <150pg/ml e/ou Folato <2ng/ml

Tanto a vitamina B12 quanto o folato são essenciais para a síntese de DNA e, portanto, para a eritropoiese. As deficiências raramente existem isoladamente, mas é provável que coexistam com uma anemia por deficiência de ferro. Baixos níveis de um dos dois pode produzir anemia megaloblástica com macrocitose. Como a vitamina B12 é essencial para a função nervosa, a deficiência também pode resultar em envolvimento neurológico.

A anemia perniciosa é a causa mais comum de deficiência de vitamina B12, e é diagnosticada pela presença de autoanticorpos para fator intrínseco ou células parietais gástricas.

Tratamento

Se o envolvimento neurológico é evidente, o tratamento é hidroxicobalamina intramuscular, com doses de frequência variando a depender da presença ou do grau de envolvimento neurológico. A anemia perniciosa é tratada com um regime de carga, seguido de tratamento de manutenção. A deficiência de vitamina B12 e folato na dieta é comumente tratada com suplementação oral de complexos de vitamina B12. Eles também podem ser considerados para a profilaxia em estados hemolíticos crônicos e pacientes submetidos a diálise. Deve-se buscar doses específicas para cada situação, com base em recomendações locais.

Anemia com Exames Normais de Ferro, B12 e Folato

Falência da Medula Óssea

A falência da medula óssea geralmente tem caráter secundário. Uma aplasia temporária de hemácias pode resultar de uma infecção viral, p.ex.: parvovírus B19. A gravidez pode resultar em uma aplasia temporária de hemácias mais longa, enquanto as aplasias permanentes podem se desenvolver a partir de uma hepatite viral, transtornos linfoproliferativos, ou transtornos vasculares do colágeno (como lúpus).

Exames pré-operatórios podem revelar uma pancitopenia, que é a descoberta mais comum em falência da medula óssea. Caso se preveja uma perda sanguínea significativa em uma cirurgia pendente, deve-se considerar uma transfusão de sangue pré-operatória. O tratamento definitivo é o transplante de medula óssea, enquanto a pancitopenia secundária à formação de tumor ou granuloma pode melhorar com o tratamento da condição subjacente. Deve-se buscar a consultoria de um especialista em hematologia para todos os casos de aplasia de tipo de célula único ou pancitopenia.

Tireoide

A relação entre a função da tireoide e a anemia é complexa. Os hormônios da tireoide estimulam a eritropoiese ativando diretamente os percursores de eritrócitos e aumentando a expressão genética da eritropoietina nos rins12. A anemia normocítica é a anemia mais comum em transtornos da tireoide. A anemia microcítica e macrocítica também podem ocorrer secundariamente a comorbidades, incluindo outros transtornos autoimunes (como anemia perniciosa), e deficiências nutricionais existentes.

Na presença de uma anemia associada, características clínicas que devem aumentar a suspeita de um hipotireoidismo associado incluem: fadiga, ganho de peso, fraqueza, cabelo seco e áspero, depressão, intolerância ao frio, e menstruação irregular. Exames de sangue tipicamente revelam baixa tiroxina (T4), com alto ou baixo hormônio estimulante da tireoide (TSH) dependendo da causa. A suspeita clínica ou exames consistentes com hipotireoidismo devem suscitar o encaminhamento a um médico da família ou endocrinologista para mais exames diagnósticos, manejo e otimização, com consideração ao adiamento ou não da cirurgia.

Para pacientes com hipotireoidismo, as estimativas exatas acerca da prevalência associada de anemia variam, com estudos identificando taxas entre 7,7 e 57,1% 13,14.

O mecanismo exato da anemia induzia por hipertireoidismo continua impreciso, mas é provavelmente secundário a deficiências nutricionais em um estado metabólico elevado. A prevalência de anemia em pacientes com hipertireoidismo foi demonstrada como variando entre 14,6 e 40,9%12,14. As características clínicas de hipertireoidismo evidente incluem: perda de peso, hiperidrose, tremor, intolerância ao calor, agitação e psicose. A suspeita clínica de hipertireoidismo deve suscitar consulta com um especialista. O controle adequado da função da tireoide pode levar vários meses.

Fígado

Até 75% dos pacientes com doença hepática crônica são anêmicos, mas a etiologia pode ser complexa. A presença de varizes gastroesofágicas, gastrite, úlcera gástrica ou transtornos de coagulação pode causar perda sanguínea lenta e resultar em anemia por deficiência de ferro. A hipertensão portal leva a um aumento no sequestro esplênico. O aumento secundário na produção de eritrócitos, bem como as deficiências nutricionais, pode resultar em uma aparência macrocítica no esfregaço de sangue.

Tratamento:

O manejo é complexo e deve idealmente envolver um gastroenterologista ou hepatologista. As deficiências nutricionais (incluindo a de ferro) e as complicações específicas da doença hepática crônica requerem vários meses para melhorar, e metas realistas devem ser definidas cedo, para permitir que a cirurgia proceda de maneira oportuna.

Rim

A eritropoietina é produzida por rins saudáveis em resposta à hipóxia celular, estimulando a produção de hemácias na medula óssea. Em rins com insuficiência, os níveis de eritropoietina são baixos, resultando em uma anemia normocítica normocrômica.

Tratamento:

As indicações para a suplementação de eritropoietina incluem8,15:

  1. Anemia sintomática associada a insuficiência renal crônica
  2. Anemia sintomática em adultos recebendo quimioterapia
  3. Permitir que sangue autólogo seja doado no pré-operatório
  4. Corrigir anemia pré-operatória moderada em adultos antes da cirurgia com uma expectativa de perda sanguínea moderada
  5. Anemia sintomática em pacientes que se recusam a receber doação de sangue

Nas duas primeiras indicações, a eritropoietina deve ser usada apenas para corrigir os sintomas da anemia. Em estágio terminal de insuficiência renal e câncer, a supercorreção da anemia pode aumentar a morbidade cardiovascular e mortalidade geral.

Anemia Induzida por Drogas

A anemia hemolítica induzida por drogas é uma condição rara de incidência incerta, associada autoanticorpos de eritrócitos dependentes de drogas ou independentes. As drogas associadas incluem: penicilina, cefalosporinas, nitrofurantoína, clorpromazina e ibuprofeno. A latência geralmente se dá em até duas semanas após o início da terapia, e resulta em uma elevada contagem de reticulócitos com hiperbilirrubinemia. Outras drogas, em particular agentes quimioterápicos e modificadores de doença, produzem uma pancitopenia.

Tratamento

A anemia hemolítica se resolve após a cessação da droga desencadeante, mas outras causas devem ser investigadas ativamente. Caso a anemia não se resolva ou se desenvolva uma pancitopenia, recomenda-se uma discussão adicional com um hematologista.

RESUMO

Anemia forma um complexo grupo de doenças com uma variedade de etiologias, muitas das quais geralmente coexistem. Os exames de sangue podem revelar uma gama confusa de anormalidades, mas um histórico detalhado é vital para se refinar um diagnóstico diferencial. Um tempo adequado entre a avaliação pré-operatória e a cirurgia é essencial para permitir a identificação, investigação e tratamento ideal para esses pacientes. Tratar até uma anemia leve pode resultar em melhores resultados pós-operatórios, mas o tempo que se leva para atingir isso deve ser considerado em relação à urgência da cirurgia.

REFERÊNCIAS

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