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Intensive Care Medicine

Tutorial 420

Toxicidade por Cocaína na Unidade de Terapia Intensiva

Stuart L. Douglas1†, Christine L. D’Arsigny2

1 Professor Assistente dos Departamentos de Medicina de Emergência e de Medicina de Terapia Intensiva, Universidade Queen’s, Kingston, Ontário, Canadá

2 Professor Associado dos Departamentos de Medicina de Emergência e de Medicina de Terapia Intensiva, Universidade Queen’s, Kingston, Ontário, Canadá

Editado por: Dra. Imelda Gaivin, Professora Assistente dos Departamentos de Anestesiologia e Medicina Perioperatória e Medicina de Terapia Crítica, Universidade Queen’s, Kingston, Ontário, Canadá

E-mail do autor correspondente: stuart.douglas@queensu.ca

Tradução e supervisão da Comissão de Educação Continuada / Sociedade Brasileira de Anestesiologia

Publicado em 24 de março de 2020.

PONTOS-CHAVE

  • A toxicidade por cocaína representa uma síndrome de múltiplos órgãos composta por ambas toxicidade aguda e complicações crônicas.
  • As apresentações relacionadas à cocaína que demandam admissão na terapia intensiva são as mais envolvidas com mortalidade e morbidade.
  • A toxicidade por cocaína pode se apresentar como uma crise aguda dos sistemas nervoso central, respiratório, cardíaco, vascular e renal, ou psiquiátrica.
  • Embora o manejo de suporte seja a regra geral, algumas crises relacionadas à cocaína exigem terapias específicas.

INTRODUÇÃO

A cocaína bloqueia a recaptação de catecolaminas e dopamina dentro da fenda sináptica, resultando em acúmulo e superestimulação do nervo pós-sináptico.¹ Também antagoniza os canais de sódio, resultando em condução nervosa prejudicada. Ela prolonga a despolarização e diminui a amplitude do potencial de ação dentro do miócito cardíaco, resultando em arritmias malignas.1,2 Tem ações tanto imunossupressoras quanto pró-inflamatórias, e é um agente pró-trombótico potente.

Os sinais clínicos de toxicidade aguda incluem palpitações, epistaxe, sudorese, cefaleia, ansiedade, tremores, espasmo muscular e hiperventilação.3 A exposição aguda à cocaína em altas doses resulta em hipertermia, hipertensão, taquicardia, midríase, convulsões, letargia, e depressão cardíaca e respiratória. A progressão ao óbito em até 2 a 3 minutos foi descrita.1 A mortalidade é alta naqueles que exigem admissão na terapia intensiva, com um estudo irlandês mostrando uma mortalidade na admissão relacionada à cocaína sendo de 52,6%.4

O tratamento de toxicidade aguda por cocaína é largamente baseado em suporte, com as metas de se resolver o bloqueio do canal de sódio, os efeitos mediados por catecolaminas, e a agitação. A seguir, um resumo das características clínicas e das estratégias de manejo para a toxicidade por cocaína.

TOXICIDADE CARDÍACA

As manifestações comuns da toxicidade cardíaca incluem vasoconstrição coronária e sistêmica, arritmias, necrose da banda de contração, aterosclerose acelerada, cardiomiopatia dilatada, e infarto agudo do miorcárdio.5,6 Usuários de cocaína têm um aumento de 5 vezes em miocardite em comparação com não-usuários.7

Foi reportado que aproximadamente 5% a 10% de todas as consultas aos departamentos de emergência nos Estados Unidos estão associadas à toxicidade por cocaína.2,6,8 Dor torácica é a apresentação mais comum nessa população. As admissões por dor torácica relacionadas à cocaína custam aproximadamente US$ 83 milhões nos Estados Unidos.2

O uso agudo está associado a eventos cardíacos isquêmicos. O aumento da demanda de oxigênio por hipertensão sistêmica, taquicardia e inotropismo aumentados, combinado a vasoespasmo coronariano, resulta em lesão isquêmica. Lesão endotelial coronariana direta e a trombose resultante exacerbam essa isquemia.1

O uso crônico de cocaína acelera a doença ateromatosa, com 40% dos usuários jovens tendo doença de artéria coronária na autópsia após infarto do miorcárdio fatal. Até 50% dos usuários crônicos mostram sinais de hipertrofia do ventrículo esquerdo e cardiomiopatia dilatada, com reduzida fração de ejeção do ventrículo esquerdo.1,5

O infarto agudo do miocárdio pode se apresentar semanas após o último uso e com artérias coronárias normais no cateterismo coronário.5

Manejo da toxicidade cardíaca relacionada à cocaína na unidade de terapia intensiva

O manejo da toxicidade cardíaca baseia-se nos sintomas. Os princípios gerais da terapia são reduzir tanto os efeitos catecolaminérgicos (hipertensão, taquicardia, vasoespasmo) quanto o bloqueio do canal de sódio. A sedação com benzodiazepínicos continua sendo a pedra fundamental do tratamento, mas, embora possa tratar efetivamente a agitação, essa abordagem não resolve completamente a taquicardia, a hipertensão e o vasoespasmo da toxicidade aguda.9

O uso de β-bloqueadores tem sido contraindicado há muito tempo devido a preocupações acerca de estimulação α-adrenérgica sem oposição. Essas preocupações permeiam o ensino, mas continuam controversas em vista de agentes com atividade tanto α- quanto β-antagonistas, da seletividade variável de receptor baseada na dose e via de administração do antagonista usado, e do curso temporal e grau de toxicidade diferentes em qualquer que seja o caso.9 Em uma revisão recente, nenhum desfecho adverso foi relatado após a combinação de bloqueadores α e β (p. ex.: labetalol e carvedilol) administrados a 1744 pacientes com toxicidade leve a intensa por cocaína. Esses agentes têm sido recomendados para tratamento especificamente da hipertensão e taquicardia na toxicidade aguda.9

Os antagonistas do canal de cálcio podem reduzir o vasoespasmo e a hipertensão, mas não necessariamente a taquicardia. A nitroglicerina não é recomendada como terapia, pois está associada a hipotensão grave e taquicardia reflexa. O antagonismo específico em receptores α-1 (p.ex.: com fentolamina) tem evidências limitadas, mas pode melhorar a hipertensão, a isquemia do miocárdio e o vasoespasmo.9

As taquiarritmias de complexo largo podem ser tratadas com lidocaína, não obstante as preocupações teóricas acerca dos seus efeitos bloqueadores do canal de sódio. Acredita-se que a inibição competitiva desloque a cocaína do canal, permitindo sua reativação após a molécula da lidocaína rapidamente se dissociar.10 As recomendações incluem um bolus de lidocaína (1-1,5 mg/kg por via intravenosa, repetidos a cada 5 minutos conforme necessário, até um máximo de 300 mg), seguido por infusão de 1 a 4 mg/min.10 Pacientes clinicamente descompensados, aqueles com hipotensão, diaforese e agitação psicomotora, requerem manejo de suporte e sedação (v. seções abaixo) e consideração de terapia de bicarbonato de sódio análoga ao manejo de toxicidade por antidepressivos tricíclicos.10 Recomenda-se um bolus de bicarbonato de 1 a 2 MEq/kg, com titulação ao QRS, 110 ms é recomendado.10,11 Caso o pH se aproxime de 7,55, devem ser considerados tratamentos alternativos. Ao contrário da toxicidade por antidepressivos tricíclicos, na taquiarritmia aguda por cocaína não há recomendação de uso de solução salina hipertônica.10 Os demais princípios de suporte cardíaco avançado permanecem inalterados.11

O manejo do infarto do miocárdio associado à cocaína reflete o do infarto não-associado à cocaína, com diferenças sutis. Recomenda-se a administração precoce de benzodiazepínicos para aliviar o surto catecolaminérgico (Grau 1/B) e a administração intravenosa de fentolamina para hipertensão persistente e dor torácica é recomendada como uma alternativa à nitroglicerina (Grau IIb/C).12 De outra forma, a avaliação por eletrocardiograma e níveis de troponina, e a estabilização por revascularização precoce permanecem inalteradas. A consideração do uso de cocaína como etiologia da isquemia do miocárdio deve ser feita em pacientes jovens, nos quais o abuso crônico de cocaína acelera a doença aterosclerótica.

TOXICIDADE DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL

As apresentações clássicas da toxicidade aguda por cocaína incluem hemorragia intracerebral e subaracnoidea, vasculite cerebral, neuropatia óptica, acidente vascular encefálico, convulsões e agitação.3,13,14 O uso abusivo crônico está associado à atrofia cerebral.

Pode ocorrer um acidente vascular encefálico devido ao vasoespasmo isquêmico, trombose da artéria cerebral, vasculite cerebral e hemorragia aguda.

As convulsões resultam de ativação do sistema nervoso central. Doses pequenas e repetitivas de cocaína resultam em um foco de atividade epileptiforme, um fenômeno conhecido como “kindling”. A incidência de convulsões em usuários ativos de cocaína é de 10,3%.1,14

O delirium agitado (excited delirium) se apresenta como uma agitação psicomotora e delírio profundos. O delirium agitado tardio está associado a alta mortalidade, dada uma profunda hipertermia, acidose metabólica e surto de catecolamina que predispõem a uma arritmia cardíaca fatal.15

Manejo da toxicidade do sistema nervoso central relacionada à cocaína na Unidade de Terapia Intensiva

O tratamento da toxicidade do sistema nervoso central relacionada à cocaína é de suporte e envolve a o manejo padrão de unidade terapia intensiva (UTI) para a apresentação clínica que está se manifestando.

A agitação e o delirium agitado são manejados com benzodiazepínicos; podem ser necessárias altas doses.9 O agonista do receptor α-2, dexmedetomidina, também pode ser considerado.9 A cetamina mostrou-se efetiva no controle do delirium agitado no ambiente pré-hospitalar, e foi sugerida como agente alternativo para pacientes levemente agitados no departamento de emergência. Deve ser evitada em delirium agitado tardio, tipificado por hipertermia e acidose metabólica.15

TOXICIDADE RESPIRATÓRIA

As complicações pulmonares variam da asma à hemorragia pulmonar fatal.1,16

As manifestações de vias aéreas inferiores resultam de efeitos irritantes diretos, com broncoconstrição e edema pulmonar não-cardiogênico resultantes.17 Houve relatos de casos de bronquiolite obliterante associada à cocaína.18 Aditivos da cocaína, como talco, sílica ou celulose resultam em granulomas inflamatórios e em uma reação semelhante à pneumoconiose.19

A pneumonite por hipersensibilidade, ou “pulmão de crack”, resulta de lesão térmica após a inalação de cocaína volatilizada (> 700°C), uma reação de hipersensibilidade a impurezas não-volatilizadas e estimulação do receptor adrenérgico resultando em ativação de macrófagos, hiperplasia de células basais, disfunção ciliar e profunda vasoconstrição local.20 Esta síndrome se manifesta em até 48 horas após o uso como febre, dispneia, sibilos, e tosse produtiva com hemoptise. A radiografia do tórax mostra infiltrados intersticiais e alveolares difusos, espessamento septal interlobular, nódulos peribrônquicos, e opacidades em vidro fosco.1,20,21

A hemorragia alveolar resulta de vasoconstrição brônquica e pulmonar resultando em hemoptise.1 Raramente, o infarto pulmonar resulta de uma combinação de vasoconstrição grave e efeitos protrombóticos.

O uso abusivo crônico de cocaína pode causar hipertensão pulmonar e insuficiência cardíaca direita como resultado de hipertrofia medial das artérias pulmonares, hemorragia pulmonar e vasoespasmo intenso na toxicidade aguda.1,22

A via de administração pode contribuir para complicações pulmonares. A manobra de Valsalva após a inalação foi relacionada ao desenvolvimento de pneumotórax´, pneumomediastino e pneumopericárdio.¹

Manejo da toxicidade respiratória relacionada à cocaína na UTI

Pacientes com pneumomediastino e pneumotórax devem ser monitorados de perto para avaliar descompensação.1

Considere esteroides em alta dose para pneumonia eosinofílica. A resolução da radiografia do tórax ocorre de semanas a meses.20

O manejo de pneumonite por hipersensibilidade à cocaína é de suporte, incluindo interrupção da droga, suplementação de oxigênio, e broncodilatadores, com resolução radiográfica esperada em 3 a 14 dias. A pneumonite por hipersensibilidade pode estar associada a exame físico com características de polegares queimados bilaterais e úlceras de córnea, que podem ser úteis na diferenciação do paciente hipóxico.

O desenvolvimento de hipertensão pulmonar requer investigação sobre a etiologia. Se comprovada como sendo por uso de cocaína, uma terapia específica para hipertensão arterial pulmonar é necessária.23

TOXICIDADE OTOLARINGOLÓGICA

As complicações de vias aéreas superiores são comuns em usuários que cheiram cocaína; elas incluem epistaxe, perfurações septais, e ulcerações das mucosas nasal e oral resultantes de vasoconstrição patológica. As complicações locais incluem celulite pré-septal, necrose palatal e sinusite osteolítica.1,2

As queimaduras térmicas faciais e da mucosa e a cicatriz resultante decorrem da inalação de vapores aquecidos e ignição acidental de cocaína de base livre durante o ato de fumar.

Manejo da toxicidade otolaringológica relativa à cocaína na UTI

O manejo de lesões otolaringológicas relacionadas à cocaína é principalmente de suporte. O monitoramento atencioso para possível comprometimento de via aérea no cenário de lesão química ou térmica é prudente. Atenção adicional é necessária para se descartar lesões a outras estruturas faciais (p.ex.: conjuntiva, pele).

TOXICIDADE GASTROINTESTINAL

A vasoconstrição mesentérica e gástrica resulta em lesão isquêmica aguda, ulceração e perfuração.25

O uso abusivo de cocaína está associado à toxicidade hepática tanto aguda quanto crônica. A toxicidade varia desde a elevação dos níveis de enzimas do fígado em usuários crônicos até a insuficiência hepática fulminante.6

As complicações decorrentes do tráfico de drogas também são comuns. É importante distinguir entre dois tipos de “mulas” do tráfico: os estofadores de droga no corpo (stuffers) e os embaladores de droga no corpo (packers). Os estofadores de droga no corpo apressadamente engolem ou colocam uma pequena quantidade de droga em um orifício corporal, geralmente para se evadir de interação iminente com a polícia. Dada a pressa da ocultação, esses pacotes geralmente vazam, mas a dose total pode representar apenas algumas poucas doses recreativas. Por outro lado, os embaladores no corpo ocultam grandes quantidades de drogas de alta pureza em pacotes seguros em um esforço premeditado para contrabandear drogas. Os embaladores de cocaína no corpo que chegam a um aeroporto podem ter ingerido 1 kg de cocaína em 100 pacotes pequenos, qualquer um dos quais contém uma dose letal. O vazamento dos pacotes resulta em toxicidade grave. A obstrução mecânica do intestino também pode ocorrer nesse cenário. Além disso, vazamentos lentos podem causar ulcerações secundárias à intensa vasoconstrição local.1,26,27

Manejo da toxicidade gastrointestinal relacionada à cocaína na UTI

A colite isquêmica relacionada à cocaína é tratada por suporte. Inicie repouso intestinal e antibióticos empíricos.1,28 As indicações para manejo cirúrgico são semelhantes a outras apresentações de abdome agudo.

Os estofadores de droga no corpo podem ser manejados de maneira expectante se forem assintomáticos ou minimamente sintomáticos. Os esforços para recuperar as drogas engolidas raramente são justificados, a menos que facilmente acessíveis (p.ex.: na ampola retal ou na vagina).27,29,30

Os embaladores de droga no corpo podem ser manejados de acordo com o protocolo modificado do Hospital Hillingdon27 ou outros algoritmos semelhantes.26,31

TOXICIDADE VASCULAR

Lesão endotelial, vasoespasmo e trombose resultam em oclusão de pequenos e grandes vasos, e lesão isquêmica.1,32

A trombose de grandes vasos é descrita, incluindo a aorta. Tipicamente, esta é uma complicação de ingestão aguda, manifestando-se até 12 horas após a ingestão.6,13,33

O levimasol, um contaminante da cocaína, está presente em até 69% da cocaína apreendida por agentes da lei dos EUA. A exposição a este contaminante ao longo do tempo causa agranulocitose profunda, uma vasculite associada a ANCA (anticorpo anticitoplasma de neutrófilo) com sintomas constitucionais, e vasculite cutânea necrosante, especialmente do nariz e orelhas.34,35

Manejo da toxicidade vascular relacionada à cocaína na UTI

O manejo da toxicidade vascular relacionada à cocaína é principalmente de suporte. Isso pode incluir o isolamento reverso para mitigação da infecção e fatores estimuladores de colônia para tratar a agranulocitose. É necessária uma abordagem sistemática para se descartar outras etiologias para a vasculite.36

TOXICIDADE RENAL

A rabdomiólise associada à cocaína está associada à insuficiência renal em 30% dos casos, e é o mecanismo mais comum de insuficiência renal aguda em usuários abusivos de cocaína.1,35 Outras etiologias descritas de dano renal incluem lesão isquêmica direta resultante de vasoconstrição local, dano ao endotélio renal, arteriosclerose da artéria renal, estresse oxidativo, alteração da síntese de matriz glomerular, e trombose.35

Manejo da toxicidade renal relacionada à cocaína na UTI

O manejo da lesão renal relacionada à cocaína é principalmente de suporte, com monitoramento da necessidade de terapia de substituição renal.

Veja Manejo de Trauma abaixo para o manejo de rabdomiólise relacionada à cocaína.

MANEJO DE TRAUMA

O trauma relacionado à cocaína traz riscos de retardo de esvaziamento gástrico com risco aumentado de aspiração durante intubação.1

O trauma relacionado à cocaína deve ser abordado com cuidado. Esteja ciente de pressão arterial falsamente normalizada em choque hemorrágico, que mascara a gravidade da perda sanguínea.1

A rabdomiólise associada à cocaína geralmente decorre de convulsões, níveis reduzidos de consciência resultando em compressão muscular prolongada, ou vasoconstrição direta de músculo esquelético e lesão isquêmica. A lesão muscular relacionada à cocaína resulta em um aumento mais abrupto na pressão compartimental do que se fosse causada por trauma de contusão externa.1 A rabdomiólise relacionada à cocaína é tratada com ressuscitação de fluidos generosa, manejo eletrolítico, e consideração de hemodiálise, de modo análogo ao manejo da rabdomiólise não-associada à cocaína. O manejo da síndrome compartimental associada à cocaína é análogo ao da síndrome compartimental típica, com monitoramento atento e consideração de fasciotomia.1

Deve-se aplicar um cuidado adicional ao usuário abusivo crônico com cessação abrupta (admissão hospitalar após cirurgia de emergência ou trauma), uma vez que as manifestações da crise de abstinência são acentuadas. A crise de abstinência deve ser manejada com suporte.

TOXICIDADE PSIQUIÁTRICA E GERAL

Transtornos psiquiátricos comórbidos são comuns em usuários abusivos de cocaína, com 70% sofrendo de um ou mais transtornos de humor, déficit de atenção, ataques de pânico, ideação paranoica, e comportamento que conduz à violência. O delirium agitado responde por 10% das mortes relacionadas à cocaína.1

A hipertermia de até 45,6°C medida retalmente foi reportada. A hipertermia serve como um marcador de toxicidade grave e é mais comum quando as temperaturas ambientes são altas. Está associada a óbito, insuficiência renal, coagulação intravascular disseminada, acidose, lesão hepática e rabdomiólise.7

Manejo de toxicidade psiquiátrica e geral relacionada à cocaína na UTI

Os usuários abusivos de cocaína têm maior suscetibilidade a estresse pós-traumático após uma lesão traumática.1

O tratamento efetivo para a hipertermia envolve sedação potente e resfriamento agressivo; a imersão em água com gelo foi descrita.37

Os relatos de caso descrevem confusão causada por acidente vascular encefálico relacionado à cocaína equivocadamente interpretado como sepse, e transtornos motores relacionados à cocaína equivocadamente interpretados como reações a drogas ou anormalidades eletrolíticas.1

RESUMO

A toxicidade por cocaína tem uma miríade de complicações em órgãos alvo, tanto no uso agudo quanto no uso abusivo crônico. É necessária uma avaliação das nuances desta apresentação para se prover uma terapia crítica excelente. O tratamento é, na maior parte, de suporte, mas o controle rápido da agitação, bem como o reconhecimento e tratamento tanto dos efeitos agudos quanto dos crônicos são necessários para se mitigar os desfechos ruins nesta população de pacientes vulneráveis.

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