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Antes de continuar, tente responder às seguintes perguntas assinalando (V) ou (F) se a afirmação for verdadeira ou falsa, respectivamente. As respostas poderão ser encontradas no final deste tutorial.
( ) O componente mais importante da avaliação pré-operatória é a análise de exames complementares.
( ) Pacientes com história prévia de distúrbios hemorrágicos (sangramento em cirurgia prévia, sangramento espontâneo, ou dificuldade de contenção de pequenos ferimentos) devem ser avaliados laboratorialmente antes de cirurgias eletivas.
( ) Impossibilidade de visualização da úvula é o único fator preditivo de via aérea difícil.
( ) Hipertensão arterial sistêmica é um fator de risco para complicações cardiovasculares no período pós-operatório.
( ) Pressão arterial de 160/110 mmHg em gestante a termo caracteriza pré-eclampsia moderada.
( ) Propranolol não deve ser interrompido no período perioperatório.
A atuação do anestesiologista estendeu-se do período transoperatório para incluir também os períodos pré e pós- operatório. Modernamente denomina-se esta atuação como Medicina Perioperatória.
Avaliação Pré-Anestésica
A Resolução do CFM 1.802/2006 determina que antes da realização de qualquer anestesia, exceto nas situações de urgência, é indispensável conhecer, com a devida antecedência, as condições clínicas do paciente, cabendo ao médico anestesiologista decidir da conveniência ou não da prática do ato anestésico, de modo soberano e intransferível.
- Para os procedimentos eletivos, recomenda-se que a avaliação pré-anestésica seja realizada em consulta médica antes da admissão na unidade hospitalar;
- Na avaliação pré-anestésica, baseado na condição clínica do paciente e procedimento proposto, o médico anestesiologista solicitará ou não exames complementares e/ou avaliação por outros especialistas;
- O médico anestesiologista que realizar a avaliação pré-anestésica poderá não ser o mesmo que administrará a anestesia.
Os objetivos da avaliação pré-anestésica incluem: Obter informações sobre condição clínica do paciente, educar o paciente sobre os procedimentos, obter consentimento informado, diminuir o custo do cuidado peri-operatório, otimizar cuidados com a saúde e prevenir complicações.
As decisões a serem tomadas no final da avaliação são: O risco de operar é maior do que não operar? É o melhor momento para operar? Qual técnica anestésica usar? Existem cuidados pré e/ou pós-operatórios especiais?
A anamnese é o componente mais importante da avaliação. Devem estar incluídos questionamentos sobre outras doenças do paciente e suas repercussões na saúde geral do mesmo, uso de medicações ou drogas ilícitas, alergias (incluindo medicações ou outras substâncias como iodo ou látex), ou distúrbios hemorrágicos (sangramento após procedimento dentário ou cirurgia prévia, equimoses, petéquias, menorragia, sangramento após escovação dentária). Condições como hábitos de vida (tabagismo, uso de drogas ilícitas, prática de exercícios), possibilidade de gravidez também são importantes. Deve ser questionado, por fim, intercorrências em anestesias/cirurgias prévias ou em membros da família, situações que podem sugerir o diagnóstico de hipertermia maligna ou colinesterase atípica. Estas informações podem alterar o tipo de anestesia a ser utilizada (geral, espinhal, loco-regional ou associações destas), orientar a usar drogas com menor repercussão cardiovascular e/ou em dosagens reduzidas e/ou com menor efeito residual ou ainda, indicar testes laboratoriais ou exames cardiológicos.
A capacidade do indivíduo de suportar atividades físicas pode ser estimada usando equivalentes metabólicos (METs). Grosseiramente, indivíduos que consigam executar tarefas acima de 4 MET podem ser considerados candidatos a cirurgias.
1 MET – Caminhar 1 a 2 quarteirões, atividades pessoais de higiene alimentação
4 METs – Subir morro ou 2 lances de escadas, atividades domésticas, atividades recreativas leves
10 METs – Esportes
O exame físico deve incluir o exame da via aérea para prever dificuldades de intubação traqueal. Achados sugestivos de via aérea difícil incluem: pequena abertura oral, dificuldade de visualização da úvula, macroglossia, mobilidade cervical reduzida, anormalidades no palato, baixa capacidade de protrusão da mandíbula, entre outros.
Também deve ser realizada a busca por lesões cardíacas e/ou vasculares (como sopros cardíacos ou carotídeos e perda de pulsos periféricos) assim como ruídos pulmonares patológicos. Dano neurológico prévio ao ato anestésico deve ser registrado.
Não existe rotina de exames complementares, estes devem ser dirigidos pela anamnese e exame físico. A rotina mínima em pacientes assintomáticos inclui – até 40 anos: Hemograma e beta-HCG se necessário, entre 40 e 65 anos: Hemograma e Eletrocardiograma, acima de 65 anos: Hemograma, Eletrocardiograma, Glicemia e Creatinina. Nas seguintes situações devem ser acrescidos no mínimo:
- Diabetes; uso de corticosteroides, uso de digoxina, uso de diuréticos; obesidade; HAS; doença renal: Eletrólitos, Creatinina, Glicemia, Eletrocardiograma
- Doença Pulmonar, tabagismo ou câncer: Raio-X tórax, Hemograma, Eletrocardiograma
- Doença hematológica ou uso de anticoagulantes: TAP/TTPa
- Quimioterapia: Hemograma, TAP/TTPa, Creatinina,
Quando solicitar parecer da cardiologia: Hipertensaõ arterial sistêmica de difícil controle terapêutico ou associada insuficiência coronariana, Infarto do miocárdio prévio, Insuficiência cardáica classe funcional II e III, Angina, Cardiopatia congênita, Valvulopatia, Revascularização miocárdica, Cirurgia cardíaca prévia, Arritmias. Na suspeita de doença coronariana oculta devem ser realizados escalonadamente: Eletrocardiograma 12 derivações em repouso (na busca de Onda Q, isquemia ativa, arritmias), teste de esforço, ecocardiograma ou cintilografia provocativos e por fim cateterismo cardíaco.
Ao final da avaliação a paciente deve ser classificada no Estado Físico segundo a American Society of Anesthesiologists (ASA). Apesar de ser subjetiva e simplista, esta avaliação se ostra útil para estratificar risco e planejamento de anestesias.
ASA I – paciente saudável
ASA II – paciente com doença sistêmica leve; sem limitação atividade física
ASA III- paciente com doença sistêmica grave limitada
ASA IV- paciente com doença sistêmica grave incapacitante, risco constante de vida ASA V- paciente moribundo, com risco de vida iminente
PREPARO PRÉ-ANESTÉSICO
Jejum Grosso modo, pacientes devem estar com 8 horas de jejum absoluto para cirurgias eletivas, permitindo pequenas doses de água para ingestão de medicamentos.
Hipertensão arterial sistêmica Hipertensão arterial sistêmica necessita de 14 dias para controle de pressão arterial ser efetivo. Um bom controle da pressão arterial antes da cirurgia reflete melhor controle da mesma no intra-operatório, ou seja, evita que haja períodos de hipertensão intercalados com períodos de hipotensão. Fatores de risco associados a hipertensão arterial sistêmica que aumentam o risco operatório: disfunção ou hipertrofia de ventrículo esquerdo, aterosclerose, eventos isquêmicos cardíacos e/ou cerebrais, insuficiência cardíaca congestiva, insuficiência renal e/ou vascular periférica.
Gravidez Gestantes de baixo risco não necessitam investigação laboratorial adicional.
Pré-eclampsia ou Doença Hipertensiva Específica da Gravidez é definida por achado de pressão arterial acima de140/100 mmHg, proteinúria e edema em gestantes com mais de 20 semanas de gravidez. É considerada grave quando há pressão arterial sistólica acima de 160 mmHg, pressão arterial diastólica acima de 110 mmHg, proteinúria acima de 5 g/24 horas, oligúria (débito urinário abaixo de 500 ml/24 horas), distúrbio cerebral ou visual, dor epigástrica, edema pulmonar ou cianose, e síndrome HELLP (hemólise, aumentode enzimas hepáticas e plaquetopenia). Em caso de pré-eclampsia, realizar investigação da função renal, hemograma, albuminúria, contagem de plaquetas e enzimas marcadoras de dano hepático (AST e ALT). Dosagem de ácido úrico sanguíneo acima de 6 mg/dl é um fator de mau prognóstico materno. É importante detectar síndrome HELLP, pois distúrbios de coagulação contraindicam anestesia regional e aumentam a perda sanguínea.
Em caso de diabetes gestacional, fetos macrossômicos são esperados. É indicado controle da glicemia e função renal. Gestantes cardiopatas devem ser encaminhadas antes do parto para centos de referência, principalmente aquelas com baixa tolerância a esforços.
As hemorragias obstétricas podem ser divididas em pré-parto (placenta prévia e descolamento prematuro de placenta) ou pós-parto (retenção placentária, inversão uterina, lacerações de trajeto, rutura uterina e atonia uterina). É necessário evitar anestesia regional em pacientes hipovolêmicas.
Malária Idealmente o diagnóstico e tratamento de malária deve ser realizado antes de cirurgia eletivas pela clínica – febre, anemia e esplenomegalia- ou exame microscópico. Casos de malária grave devem ser suspeitados em caso de: coma, prostração, múltiplas convulsões, desconforto respiratório, respiração acidótica, choque circulatório, icterícia, sangramento anormal, hemoglobinúria, acidose metabólica, hipoglicemia, anemia, disfunção renal ou hiperparasitemia (>2%). O diagnóstico é confirmado pela microscopia ou imunocromatografia. Avaliação da coagulação e contagem de plaquetas deve ser realizada antes de cirurgia e anestesia espinhal. Quinidina, um dos tratamentos para malária pode induzir o aparecimento de hipotensão, alargamento do complexo QS no eletrocardiograma, aumento do intervalo QT e arritmias.
Gestantes portadoras de malária apresentam anemia, aumento na chance de abortamento, trabalho de parto prematuro e recém-nascidos de baixo-peso. As alterações fisiológicas da gravidez tornam a mulher mais susceptível a insuficiência cardíaca congestiva.
Anemia falciforme As crises de falcização, que são desencadeadas por múltiplos fatores como infecção, desidratação, hipotermia, entre outros, podem levar à necessidade de transfusão sanguínea. Caso os quadros de falcização sejam recorrentes, ou existam outras doenças hematológicas que cursem com períodos de anemia aguda, estabelece-se a necessidade de transfusões repetidas. Em consequência pode ocorrer quadro de sensibilização a antígenos sanguíneos frequentes na população geral.
Sempre que possível a cirurgia deve ser eletiva de tal maneira que o paciente vá para a mesa cirúrgica o mais compensado possível. As transfusões não estão indicadas para procedimentos de anestesia local, com a exceção da cirurgia intra ocular. Em grandes cirurgias o nível de hemoglobina deve estar em torno de 10 g/ dl, com uma hemoglobina S menor que 30%. O cuidado pré per e pós operatório é imprescindível para uma boa recuperação do paciente. Durante toda essa fase o paciente deverá estar bem oxigenado, hidratado, com monitorização do pulso, pressão arterial, perfusão periférica, balanço hídrico, perdas sanguíneas, hematócrito e status de oxigenação A hiper transfusão para aumentar o nível de hemoglobina é perigosa a não ser que se obtenha um nível de HbS abaixo de 30%. O incentivo à espirometria deve ser feito em todos os pacientes com a finalidade de se prevenir o desenvolvimento de Síndrome Torácica Aguda. A aloimunização deve ser minimizada transfundindo-se sangue fenotipado (antígenos K, C, E, S, Fy e Jk)
Antibioticoterapia Recomenda-se que seja administrado cefazolina na dose de 25 mg/kg IV 30 minutos antes da maioria das cirurgias para diminuir a incidência de infecção de ferida operatória. Em casos de cirurgia sobre o cólon (incluindo apendicite) pode ser usada cefoxitina 30 mg/kg. Em caso de alergia a cefalosporinas, pode ser usada clindamicina 600 mg associada a gentamicina (1,5 mg/kg).
Recomendações recentes afirmam que a antibioticoprofilaxia para endocardite bacteriana em pacientes com doença valvar não é mais indicada em casos de cirurgia urológicas, vasculares, ortopédicas, ginecológicas ou obstétricas. Deve ser usada em procedimentos dentários.
Curetagem para perda fetal não complicada, inserção de DIU, histeroscopia ou laparoscopia que não inclua abertura da vagina ou útero não necessitam antibioticoprofilaxia.
Diabetes mellitus O horário da cirurgia idealmente deve ser no primeiro período da manhã para evitar tempo prolongado de jejum. Em caso de uso de hipoglicemiante oral de longa duração (glibenclamida), o mesmo deverá ser suspenso dois dias de antecedência. Metformina poderá ser suspensa 24 horas da cirurgia para evitar acidose. No caso de pacientes em uso de insulina NPH administrar 1/3 da dose habitual na manhã da cirurgia e manter infusão endovenosa de solução glicosada a 5% (aproximadamente 100 ml/h). Deve ser realizada uma avaliação da glicemia capilar no dia da cirurgia e valores até 250 mg/dL não contraindicam a realização de cirurgias. Pode-se realizar glicemia capilar de 6/6 horas no período pós-operatório imediato. Evitar estresse e situações que desencadeiam reações catabólicas e hiperglicemia. Sempre que possível prescrever medicação pré-anestésica e planejar analgesia pós-operatória adequada.
Pneumopatias Devem ser estimulados: Abandono do tabagismo (idealmente 21 dias antes), o tratamento de infecções, o controle do broncoespasmo. Se possível estimular fisioterapia respiratória (pré e pós-operatório). Em caso de asma, manter no dia da cirurgia β2-agonistas e Corticosteroide em uso (via oral ou inalatória).
Anemia Pacientes com quadro de anemia ferropriva devem ser compensados previamente com reposição de Ferro, com um hematócrito alvo de 30% em casos de cirurgias eletivas. Pacientes jovens saudáveis ou pacientes com anemia crônica podem tolerar valores mais baixos.
Alergia ao látex Choque anafilático grave pode ser desencadeado por látex. É necessário reservar sonda e luvas especiais assim como evitar seringas e medicações que contenham látex.
Infecção de Vias Aéreas Superiores A cirurgia eletiva deve aguardar 10 a 14 dias após um quadro de Infecção de Vias Aéreas Superiores.
Varfarin Pacientes com história de trombose venosa ou fibrilação atrial frequentemente utilizam varfarin. Este deve ser interrompido no mínimo 5 dias antes da cirurgia, sendo substituído por enoxaparina 40 mg SC uma vez ao dia, que deverá ser suspensa 24 horas antes da cirurgia. Deve ser documentada a normalização do TAP (RNI < 1,3).
Apneia do sono Pacientes que usam CPAP domiciliar devem ser orientados a utilizarem o mesmo no período pós operatório.
Medicações de uso crônico
Medicações a serem mantidas: Anti-hipertensivos (exceto antagonistas do receptor de angiotensina-2), Diuréticos, Antiarrítmicos, Betabloqueadores, Digoxina, Antidepressivos, Tireoidiana, Contraceptivos, Colírios, Antiácidos, Anticonvulsivantes, bronco dilatadores, Corticoides, Estatinas
Medicações a serem suspensas: Losartan e congêneres (24 horas), Vitaminas, Ferro, Premarin, Medicações tópicas Hipoglicemiantes ou Insulina (ver DM), AAS ou Clopidogrel (10 dias), Varfarin (ver acima), Fitoterápicos (48 horas).
Este texto não tem o objetivo de ser completo, mas proporcionar uma visão geral sobre a avaliação e preparo pré-anestésico e de como estas informações podem reduzir o risco dos atos cirúrgico-anestésicos.
Respostas das perguntas
F, V, F, V, F, V
Leitura sugerida
Hata, T. M., & Moyers, J. R. (2006). Perioperative evaluation and management. In P. G. Barash, B. F. Cullen, & R. K. Stoelting (Eds.), Clinical Anesthesia (5 ed., pp. 475–502). Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins.
Longnecker, D. E., Brown, D. L., Newman, M. F., & Zapol, W. M. (Eds.). (2008). Section B: Evaluation of the anesthesia patient. Anesthesiology (pp. 89–423). New York, USA.: McGraw Hill.