You are not connected to the internet and now in offline mode. Only pages or articles you visited while connected will be available.

Get notified when a new tutorial is published!

Basic Sciences

Tutorial 26

Tutorial De Anestesia Da Semana Farmacologia Dos Bloqueadores Neuromusculares E Anticolinesterásicos

Dr. Dominic O’Connor
Royal Perth Hospital, Australia

Dr. Carl Gwinnutt
Hope Hospital, UK

Correspondence to dominic.o’connor@health.wa.gov.au

Tradução autorizada do ATOTW #26 realizada por Dra. Gabriela Nerone e Dra. Maria Eduarda Dias Brinhosa, Hospital Governador Celso Ramos, Brasil.

Correspondência para sba@sba.com.br

2 dezembro 2006


QUESTÕES-CHAVE

Após a leitura do tutorial, você deve tentar responder às seguintes perguntas:

  1. Como são classificados os bloqueadores neuromusculares?
  2. Como funcionam os bloqueadores neuromusculares?
  3.  Quais são os efeitos colaterais da succinilcolina?
  4. Que bloqueadores musculares adespolarizantes afetam o sistema cardiovascular?
  5. Como funciona a neostigmina?
  6. Quais são os efeitos colaterais dos anticolinesterásicos e como podem ser prevenidos?

INTRODUÇÃO

Bloqueadores neuromusculares (BNMs) são utilizados em anestesia para prejudicar a transmissão neuromuscular e proporcionar relaxamento da musculatura esquelética. Essas drogas permitem ao anestesiologista realizar a intubação orotraqueal, facilitam a ventilação e promovem condições operatórias ótimas, por exemplo durante laparotomia. BNMs são compostos amônios quaternários estruturalmente semelhantes à acetilcolina (ACh) que atuam primordialmente no receptor nicotínico pós-juncional da junção neuromuscular. BNMs podem ser agonistas (BNMs “despolarizantes”) e antagonistas (BNM “adespolarizantes”) do receptor nicotínico.

Drogas anticolinestesáricas, também conhecidas como inibidores da acetilcolinesterase, são usadas para reverter os efeitos dos BNMs adespolarizantes. Essas drogas aumentam a concentração de Ach na junção neuromuscular mediante a inibição da enzima acetilcolinesterase.

Se você está em dúvida sobre alguns dos termos utilizados até agora, esse é um bom momento para revisar o tutorial sobre a “Fisiologia da Junção Neuromuscular”.

BLOQUEADORES NEUROMUSCULARES DESPOLARIZANTES

A succinilcolina é o único BNM despolarizante disponível para uso clínico atualmente. Estruturalmente, trata-se de duas moléculas de ACh ligadas entre si, que agem como um agonista do receptor nicotínico. A succinilcolina se liga às duas subunidades alfa do receptor, mimetizando a ACh, e resulta em despolarização da membrana. A despolarização resulta rapidamente em contração muscular, observada clinicamente na forma de fasciculações. Após a despolarização, o potencial de membrana deve ser restabelecido antes que uma próxima despolarização possa ocorrer e, até que isso ocorra, o músculo permanece em um estado de relaxamento flácido.

Uma dose intravenosa de succinilcolina de 1,0-1,5/kg promove bloqueio neuromuscular profundo dentro de 60 segundos, mais rápido que qualquer outro BNM. O bloqueio geralmente apresenta resolução espontânea após aproximadamente 10 minutos. A succinilcolina resulta em um bloqueio de fase I, caracterizado pela ausência de fadiga e de potencialização pós-tetânica à estimulação de nervo periférico. A succinilcolina é rapidamente hidrolisada pela colinesterase plasmática em succinilmonocolina e colina. Deve ser armazenada a 4oC para prevenir a hidrólise.

Apesar de não ser utilizada habitualmente, pode-se optar pelo uso de succinilcolina em infusão para produzir bloqueio neuromuscular prolongado. Dilui-se 500mg de succinilcolina em um frasco de 500mL de soro fisiológico, o que resulta em uma solução a 0,1%. A taxa de infusão é ajustada para obter o grau desejado de relaxamento muscular, geralmente 5-15mg/kg/h (5-15ml/kg/h). O pré- tratamento com atropina é necessário para o emprego dessa técnica.

A succinilcolina pode ser administrada por via intramuscular na dose de 3-5mg/kg. O início de ação é consideravelmente mais lento do que após administração endovenosa. Essa via é geralmente utilizada apenas em crianças nas quais o acesso venoso não foi possível.

Succinilcolina: Indicações e Efeitos Colaterais

A succinilcolina é o BNM com início de ação mais rápido e previsível. Isso, aliado à sua curta duração de ação, significa que essa é a droga de escolha para anestesia quando é utilizada uma indução em sequência rápida (ISR) em pacientes sob risco de aspiração, ou quando a intubação orotraqueal rápida é necessária em uma situação emergencial. É também indicada quando a recuperação do bloqueio neuromuscular pode ser necessária.

Bradicardia: Ocorre devido à estimulação de receptores muscarínicos no nó sinoatrial. É mais comum em crianças e após doses repetidas.

Aumento da pressão intra-ocular: Há um risco teórico de extravasamento de conteúdo vítreo após a utilização de succinilcolina em pacientes com lesão ocular penetrante. Esse risco deve ser contraposto ao risco de aspiração de conteúdo gástrico em cirurgias de emergência.

Mialgia: Ocorre comumente, principalmente em jovens saudáveis que deambulam precocemente após a cirurgia. Estratégias como pré-curarização existem para reduzir a sua incidência, porém nenhuma estratégia é completamente preventiva.

Hipercalemia: O potássio sérico médio aumenta em 0,5mmol/l após a administração de succinilcolina. Pacientes com hipercalemia pré-existente estão sob risco de arritmias cardíacas e morte. Hipercalemia fatal pode ocorrer em pacientes com queimaduras, distrofias musculares e paraplegia. Isso pode ser devido à proliferação de receptores extra-juncionais nesses pacientes. O risco máximo de hipercalemia em pacientes queimados ocorre do 9° ao 60° dia pós-queimadura. A utilização de succinilcolina nos primeiros 2 a 3 dias após queimaduras graves é considerado seguro.

Aumento da pressão intragástrica: Isso é compensado por um aumento na pressão do esfincter esofagiano.

Bloqueio de fase II: Pode ocorrer após grandes ou repetidas doses de succinilcolina. O bloqueio neuromuscular é prolongado e a estimulação de nervo periférico resulta em fadiga da resposta de quatro estímulos e potenciação pós-tetânica.

Anafilaxia: A succinilcolina é responsável por 50% das reações anafiláticas aos BNMs.

Bloqueio prolongado devido a atividade reduzida da colinesterase plasmática: Pode ser atribuído a causas congênitas ou adquiridas. Causas adquiridas incluem síntese enzimática diminuída, que pode ocorrer na presença de doença hepática, carcinomatose, gestação ou jejum prolongado (estados hipoproteinêmicos), insuficiência cardíaca, insuficiência renal e queimaduras. A co-administração de determinadas drogas como etomidato, anestésicos locais do tipo éster, metotrexate, remifentanil e esmolol pode resultar em redução da atividade da colinesterase plasmática.

Causas hereditárias de bloqueio prolongado após succinilcolina ocorrem devido à produção de colinesterase plasmática atípica. A estrutura da enzima colinesterase é determinada geneticamente por um gene no cromossomo 3, que é descrito como o gene normal (94% da população é homozigota). Existem três variantes desse gene que são denominadas variante atípica, variante silenciosa e gene resistente a fluoretos. Indivíduos com esses genes variantes têm colinesterase plasmática atípica, e apresentam bloqueio neuromuscular prolongado após administração do succinilcolina. A duração do bloqueio varia de 30 minutos (heterozigotos para o gene atípico) a várias horas (homozigotos para o gene silencioso).

Hipertermia Maligna: Essa condição pode ser desencadada pelo succinilcolina e portanto seu uso está absolutamente contra-indicado em pacientes suscetíveis.

BLOQUEADORES NEUROMUSCULARES ADESPOLARIZANTES

Os BNMs adespolarizantes são antagonistas competitivos da ACh no receptor nicotínico pós-sináptico. Eles se ligam a uma ou ambas as subunidades alfa do receptor, impedindo a ligação da Ach que ocasionaria a despolarização. A ligação desses antagonistas ao receptor é reversível e ocorre associação e dissociação repetidamente. O início do bloqueio neuromuscular ocorre quando 70-80% dos receptores estão ocupados, e para que haja bloqueio completo, é necessária a ocupação de mais de 90% dos receptores. Acredita-se que os BNMs adespolarizantes atuem também nos receptores pré-juncionais da junção neuromuscular. A estimulação desses receptores pela ACh normalmente resulta em mobilização adicional de ACh para lidar com o aumento da frequência de estimulação; os BNMs antagonizam esses receptores também, inibindo o processo supracitado.

Ao avaliar o bloqueio causado por BNMs adespolarizantes com um estimulador de nervo periférico, uma resposta característica é observada. Ocorre fadiga da magnitude de resposta durante os padrões de estimulação em sequência de quatro estímulos e contagem pós-tetânica. A fadiga ocorre devido à ação dos bloqueadores no receptor pré-sináptico, resultando em disponibilidade reduzida de ACh à medida em que há repetição do estímulo do nervo. A potenciação pós-tetânica da transmissão neuromuscular é uma característica do bloqueio por adespolarizantes e é justificada por quantidades crescentes de ACh na fenda sináptica após a estimulação tetânica.

BNMs adespolarizantes não são metabolizados na junção neuromuscular, portanto a resolução do bloqueio é decorrente de um efeito dilucional da droga à medida em que o tempo passa. São drogas altamente ionizadas, hidrossolúveis, cujo volume de distribuição se aproxima àquele do plasma e fluido extracelular. Existem dois grupos de BNMs adespolarizantes: compostos benzilisoquinolínicos e compostos aminoesteróides.

Compostos Benzilisoquinolínicos

Essas drogas consistem de dois grupamentos amônios quaternários ligados entre si por uma cadeia de grupos metil. São mais suscetíveis à hidrólise no plasma e causam liberação de histamina; exemplos incluem tubocurarina, atracúrio, cisatracúrio e mivacúrio.

Tubocurarina: Um fármaco com grande latência e duração de ação prolongada (vide tabela 1). Causa liberação acentuada de histamina, resultando em hipotensão e taquicardia. Bloqueio ganglionar pode ocorrer com grandes doses. A tubocurarina é excretada inalterada principalmente na urina, mas também na bile. Seus efeitos são prolongados na insuficiência renal. Seu uso foi suplantado por agentes com melhor perfil de efeitos colaterais e ela não está mais disponível no Reino Unido.

Atracúrio: É uma mistura racêmica de 10 estereoisômeros e isômeros geométricos. Tem início e duração de ação intermediários. Causa liberação de histamina porém não causa efeitos cardiovasculares diretos. Seu metabolismo é através de degradação de Hoffmann e hidrólise por esterases plasmáticas, portanto sua duração de ação é independente de função renal ou hepática.

Cisatracúrio: Trata-se do isômero R-cis R’-cis do atracúrio. É constituído por 15% do composto precursor e é quatro vezes mais potente, com maior duração de ação. Diferentemente do atracúrio, o cisatracúrio não causa liberação de histamina. É metabolizado pela degradação de Hoffmann e não se acumula na insuficiência renal.

Mivacúrio: O mivacúrio é uma droga com curta duração de ação (aproximadamente 15 minutos), o que o torna potencialmente útil para procedimentos rápidos. É uma mistura racêmica de três isômeros que é hidrolisada pela colinesterase plasmática. O mivacúrio é associado com liberação histaminérgica causando hipotensão significativa em doses maiores que 0,2mg/kg. Assim como a succinilcolina, sua duração de ação é aumentada em pacientes com colinesterase plasmática atípica.

Compostos Aminoesteróides

Todos os BNMs aminoesteróides possuem pelo menos um grupamento amônio quaternário ligado a um anel esteróide. Eles tendem a não causar liberação de histamina e a sua maioria é metabolizada em um órgão-alvo antes da excreção.

Pancurônio: O primeiro BNM esteróide usado clinicamente tem início de ação lento e longa duração de ação. Não causa liberação de histamina e apresenta propriedades simpatomiméticas discretas, portanto causa taquicardia. É parcialmente desacetilado no fígado a um metabólito ativo, e excretado inalterado na urina. Sua ação é prolongada em pacientes com disfunção renal ou hepática.

Vecurônio: O vecurônio é estruturalmente semelhante ao pancurônio, contudo tem início de ação discretamente mais rápido e duração de ação mais curta (intermediária). Não causa liberação de histamina e é desprovido de efeitos cardiovasculares. O metabolismo hepático o converte em metabólitos ativos que são excretados na urina e na bile. O vecurônio é instável em solução, por conseguinte é armazenado na forma de pó liofilizado e requer diluição em água antes da sua administração.

Rocurônio: Essa amina monoquaternária apresenta o início de ação mais rápido entre os BNMs adespolarizantes disponíveis clinicamente. Condições para intubação traqueal podem ser atingidas em 60-90 segundos após uma dose de indução de 0,6mg/kg. Apresenta duração de ação intermediária, sendo metabolizado no fígado e excretado na bile. O rocurônio exerce efeitos cardiovasculares mínimos e não libera histamina, contudo, tem maior incidência de reações anafiláticas do que os demais BNMs aminoesteróides.

Tabela 1.

Tabela 1. Dose, início de ação e duração dos bloqueadores neuromusculares

ANTICOLINESTERÁSICOS

Anticolinesterásicos, também conhecidos como inibidores da acetilcolinesterase, são agentes que inibem a ação da enzima acetilcolinesterase na junção neuromuscular. Essa inibição enzimática leva à redução da degradação da ACh e potencializa sua ação.

São utilizados em anestesia para reverter os efeitos dos BNMs adespolarizantes. A reversão do bloqueio neuromuscular adespolarizante é feita habitualmente ao final da cirurgia e não deve ser realizada antes que algum grau de resolução espontânea do bloqueio tenha ocorrido. A administração precoce de anticolinesterásicos pode ser inefetiva devido à alta taxa de ocupação de receptores pelos BNMs. A reversão de BNMs de ação intermediária deve ser feita no mínimo 20 minutos após a administração da droga. Se um estimulador de nervo periférico estiver sendo utilizado, a presença de pelo menos 3 respostas numa sequência de quatro estímulos deve ser detectada antes da tentativa de reversão. O sinal mais confiável de que um bloqueio foi totalmente revertido pelo anticolinesterásico é uma resposta sustentada à estimulação tetânica com um estimulador de nervo periférico (ou seja, ausência de fadiga). Testes clínicos de resolução adequada do bloqueio incluem a habilidade de sustentar a cabeça elevada da cama por 5 segundos, porém essa é uma avaliação muito menos confiável.

Anticolinesterásicos aumentam o bloqueio de fase I causado por BNMs despolarizantes, logo não há utilidade para anticolinesterásicos na reversão do bloqueio por succinilcolina.

Efeitos colaterais dos agentes anticolinesterásicos

Anticolinesterásicos causam aumento da concentração de ACh que resulta na potenciação dos seus efeitos em receptores muscarínicos. Isso pode resultar em bradicardia, miose, aumento da peristalse, náusea, broncoespasmo, aumento de secreções bonquiais, sudorese e salivação. Por essa razão, um antimuscarínico tal como glicopirrolato ou atropina deve ser administrado concomitantemente ao anticolinesterásico para minimizar seus efeitos colaterais.

Fármacos Anticolinesterásicos

Neostigmina: Definitivamente o anticolinesterásico mais utilizado em anestesia. É um composto amônio quaternário que se liga reversivelmente ao sítio esterásico da acetilcolinesterase, tornando-a inativa por aproximadamente 30 minutos. A neostigmina é administrada por via endovenosa em doses de 0,05mg/Kg (máximo 5mg) e deve ser administrada com glicopirrolato 0,01mg/Kg ou atropina 0,02mg/Kg. O início de ação da neostigmina é de aproximadamente 2 minutos e seu efeito máximo ocorre em torno de 5 a 7 minutos. É excretada inalterada pelos rins e sua meia-vida é cerca de 45 minutos.

Edrofônio: Esse anticolinesterásico forma uma ligação iônica no sítio aniônico da enzima. A ligação é reversível e de curta duração, da ordem de poucos minutos. O edrofônio é utilizado como teste diagnóstico para a doença neuromuscular miastenia gravis. A potenciação da ACh pela droga resulta em aumento transitório da força muscular no paciente miastênico. É raramente utilizado para reverter os efeitos dos BNMs, uma vez que seus efeitos são de curta duração e o bloqueio pode aumentar após uma recuperação inicial.

Piridostigmina: Esse agente tem início de ação mais lento que a neostigmina e sua duração é de várias horas. É utilizado mais frequentemente como tratamento para miastenia gravis.

Fisostigmina: Assim como a neostigmina e a piridostigmina, a fisostigmina age reversivelmente no sítio esterásico da acetilcolinesterase. Como é mais lipossolúvel que os demais agentes, pode ser absorvida pelo trato gastrintestinal e atravessa a barreira hemato-encefálica.

Compostos organofosforados: Essas substâncias são encontradas em alguns pesticidas e agentes utilizados em guerras químicas. Organofosforados formam uma ligação irreversível com a acetilcolinesterase e a recuperação somente ocorre com síntese enzimática de novo, o que demora semanas. A intoxicação resulta em salivação, sudorese, bradicardia, broncoespasmo e fraqueza muscular. O tratamento é feito com atropina e medidas de suporte.

LEITURA COMPLEMENTAR

  1. Appiah-Ankam D, Hunter J. Pharmacology of neuromuscular block. Contin Educ Anaesth Crit Care Pain. 2004; 4:2-7
  2. Ackroyd C, Gwinnutt C. Physiology of the neuromuscular junction. Tutorial of the week. www.anaesthesiologists.org 13 Feb 2006
  3. McGrath D, Hunter J. Monitoring of neuromuscular block. Contin Educ Anaesth Crit Care Pain. 2006; 6:7-12
Tutorial Outline