You are not connected to the internet and now in offline mode. Only pages or articles you visited while connected will be available.

Get notified when a new tutorial is published!

Paediatric Anaesthesia

Tutorial 392

Uma Abordagem Prática à Anestesia Intravenosa Total (AIVT) à Base de Propofol em Crianças

Dr. Victor Chan1†, Dr. Justin Skowno2

¹Pesquisador Provisório em Anestesia, Hospital Infantil de Westmead, Sydney, Austrália
²Anestesista Especialista de Equipe Sênior, Hospital Infantil de Westmead, Sydney, Austrália; Professor Clínico Sênior, Disciplina de Saúde Infantil e Adolescente, Faculdade de Medicina e Saúde, Universidade de Sydney, Sydney, Austrália

Editado por: Dr. Michael Cooper, Anestesista Especialista de Equipe Sênior, Hospital Infantil de Westmead, Sydney, Austrália; Dr. Kate Wilson, Anestesista Consultora, Hospital Infantil de Sheffield, Reino Unido

Autor correspondente e e-mail: victor.chan@bigpond.com

Publicado em 27 de novembro de 2018

PONTOS-CHAVE

  • Os anestesistas devem estar cientes das indicações e contraindicações para a anestesia intravenosa total (AIVT) à base de propofol em crianças.
  • Pode-se usar estratégias farmacológicas e não-farmacológicas para estabelecer o acesso intravenoso (IV) antes da indução.
  • As crianças podem se beneficiar da conversão à AIVT à base de propofol após indução com anestésico volátil.
  • Adjuvantes à AIVT à base de propofol podem melhorar enormemente a imobilidade e resposta hemodinâmica durante a cirurgia.
  • Práticas padrão de AIVT segura usadas em adultos devem ser aplicadas a crianças.
  • Recomenda-se o monitoramento de EEG processado em crianças > 1 ano submetidas a AIVT à base de propofol.

INTRODUÇÃO

A anestesia intravenosa total à base de propofol (AIVT) é amplamente usada na prática adulta há vários anos, e seu uso na pediatria está se tornando mais comum. Há inúmeras indicações clínicas e benefícios da AIVT; contudo, muitos anestesistas não estão familiarizados em como fornecer AIVT à base de propofol para seus pacientes pediátricos. Enquanto muitos aspectos da AIVT podem ser traduzidos de adultos para crianças, há algumas considerações e limitações importantes das quais os anestesistas devem estar cientes. Este tutorial discutirá uma abordagem prática para a administração de AIVT à base de propofol para crianças. Encorajamos os anestesistas menos familiarizados com os princípios gerais da AIVT e infusões alvo-controladas (IAC) a lerem o tutorial ATOTW 75, “Infusões alvo-controladas na prática anestésica”¹, e BJA Education, “Principles of total intravenous anaesthesia” (Princípios de anestesia intravenosa total) 2,3, antes de ler este tutorial.

QUANDO CONSIDERAR A AIVT À BASE DE PROPOFOL

A figura 1 descreve uma abordagem simples para auxiliar os anestesistas quando considerarem a AIVT à base de propofol em uma criança. Há inúmeras razões para se escolher a AIVT, algumas aplicáveis tanto a adultos quanto a crianças (p.ex.: hipertermia maligna, náusea e vômito pós-operatórios [NVPO]), e algumas que são mais específicas para crianças (p. ex.:

Figura 1.

Figura 1. Quando considerar a anestesia intravenosa total à base de propofol. AIVT indica anestesia intravenosa total; PIC, pressão intracraniana; IAC, infusões alvo controladas; e NVPO, náusea e vômito pós-operatórios.

medo de máscaras faciais, delírio ao despertar da anestesia). Há várias razões mais específicas para crianças que merecem menção especial. As crianças normalmente apresentam-se para cirurgia com infecções virais concorrentes do trato respiratório superior que resultam em maior reatividade da via aérea. Em crianças com infecção leve do trato respiratório superior que precisam proceder à cirurgia, a indução com propofol está associada a uma redução significativa em eventos respiratórios adversos perioperatório em comparação com a indução com sevoflurano.4 Além disso, crianças com alguns tipos de distrofia muscular (p.ex.: Duchenne e Becker) correm o risco de rabdomiólise induzida por anestesia. Frente a uma “criança flácida” se apresentando para cirurgia urgente, uma abordagem razoável é fornecer um anestésico que não dispare gatilhos, usando-se AIVT à base de propofol.5

Ao se considerar as razões para NÃO utilizar AIVT à base de propofol, há preocupações de rotina, tais como alergia à droga e disponibilidade de equipamento (p.ex.: bombas de infusão), e também há preocupações específicas relacionadas a potenciais efeitos adversos induzidos pelo propofol em certos grupos de pacientes. O propofol, devido a seus significativos efeitos depressores no miocárdio e de vasodilatação, não deve ser usado em crianças com choque descompensado grave ou disfunção cardíaca significativa; por exemplo, septicemia grave ou algumas condições cardíacas congênitas. A AIVT à base de propofol também deve ser evitada em pacientes com maior risco de síndrome de infusão relacionada ao propofol, que é uma condição potencialmente fatal caracterizada por bradicardia refratária aguda, que progride para assistolia e uma ou mais das seguintes condições: acidose metabólica, rabdomiólise, hiperlipidemia ou fígado aumentado ou gorduroso. Está tipicamente associada a infusões prolongadas (> 48 h) com altas taxas de infusão (> 4 mg/kg/h), mas há relatos de casos com taxas de infusão mais baixas, bem como de altas taxas de infusão de curta duração.6,7 Os fatores de risco incluem lesão neurológica aguda, altos níveis de catecolamina e glicocorticoides endógenos ou exógenos, e baixa ingestão de carboidrato (p.ex.: jejum prolongado). O propofol também deve ser evitado em pacientes com doença mitocondrial conhecida ou suspeitada (p.ex.: miopatia mitocondrial), devido ao maior risco potencial de desenvolver síndrome de infusão relacionada ao propofol.

Além de indicações/contraindicações específicas, há outros fatores que precisam se considerados (v. Figura 1), muitos dos quais são preocupações mais práticas, como estabelecer o acesso intravenoso e determinar como administrar infusões de propofol em crianças. Esses serão discutidos mais adiante.

Um fator importante que requer menção especial é a farmacocinética alterada de drogas intravenosas em crianças. Crianças pequenas têm um tamanho e volume de distribuição do compartimento central aumentados, o que requer doses de bolus de indução maiores (p.ex.: propofol 3 a 5 mg/kg em crianças, e 1,5 a 2 mg/kg em adultos) e taxas de infusão iniciais mais altas. Depois que os compartimentos periféricos são preenchidos, as taxas de infusão mais baixas semelhantes àquelas em adultos são necessárias para se manter a anestesia. Em neonatos, a imaturidade dos sistemas de enzimas hepáticas também resulta em metabolismo mais lento, o que requer taxas mais baixas de manutenção da infusão; contudo, também pode haver uma perceptível variabilidade farmacocinética entre pacientes. Essas alterações no manuseio farmacocinético das drogas mudam à medida que a criança fica mais velha, ficando finalmente mais semelhantes aos adultos depois que elas atingem a adolescência. A obesidade também está se tornando mais prevalente na população pediátrica, e isso tem implicações farmacocinéticas. A abordagem sugerida na obesidade é basear os cálculos de dosagem em peso corporal magro para indução e peso corporal total para manutenção da anestesia, 8,9 embora haja evidências de que modelos farmacocinéticos que utilizam o escalonamento alométrico de peso corporal total caracterizam mais precisamente os volumes de distribuição e depuração do propofol em pacientes obesos. 10

ESTABELECENDO O ACESSO INTRAVENOSO

A figura 2 fornece uma abordagem para se estabelecer o acesso intravenoso (IV) em crianças. Há várias estratégias não-farmacológicas e farmacológicas que podem ser utilizadas para ajudar a estabelecer o acesso IV antes da indução. Qualquer abordagem precisa ser individualizada para cada criança a fim de se garantir a maior chance de sucesso ao mesmo tempo em que se minimiza o sofrimento da criança e dos pais. Técnicas de distração e anestésico tópico local geralmente são eficientes; contudo, crianças ansiosas e não-cooperativas ou comportamentalmente desafiadoras podem exigir pré-medicação. O tutorial ATOTW 367, “Anestesia Pediátrica: desafios com indução”, fornece uma abordagem útil para o manejo desses pacientes. 11

Para algumas crianças, pode ser mais apropriado realizar a indução com anestésico volátil e, em seguida, estabelecer o acesso IV, permitindo uma conversão para a AIVT à base de propofol para manutenção da anestesia. Com exceção de circunstâncias em que os agentes voláteis sejam absolutamente contraindicados, as crianças ainda podem obter muitos dos benefícios da AIVT à base de propofol com esta abordagem. Por exemplo, quando se visa a reduzir o delírio ao despertar anestésico, a AIVT à base de propofol para manutenção da anestesia é mais eficiente do que a anestesia inalatória sozinha, e também pode ser mais eficiente do que a manutenção da anestesia inalatória com a adição de 1 a 3 mg/kg de propofol antes do despertar.12

A transição da indução com anestésico volátil para a manutenção da AIVT à base de propofol precisa ser feita com cuidado, a fim de manter uma profundidade anestésica adequada durante a transição, ao mesmo tempo em que se evita os efeitos hemodinâmicos negativos associados a anestesia excessiva nos pacientes. A meta é distribuir a dose inicial de bolus de propofol durante a período de eliminação esperado do agente volátil. Ao usar uma bomba de IAC de propofol, isso pode ser feito ajustando-se o alvo inicial da IAC e/ou a duração do tempo de liberação do bolus inicial.

Várias estratégias podem ser usadas para minimizar a dor da injeção associada ao propofol. A lidocaína intravenosa e cânulas em veias proximais grandes são métodos comuns para se reduzir a dor da injeção. A pré-indução com óxido nitroso e/ou a administração prévia de um opioide de início de ação rápido, como o fentanil, também pode ser eficiente.

Figura 2.

Figura 2. Estabelecendo o acesso intravenoso. TEA indicam transtornos do espectro autista; TDAH, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade; e AIVT, anestesia intravenosa total.

ADMINISTRANDO AIVT À BASE DE PROPOFOL

A figura 3 descreve como a AIVT à base de propofol pode ser administrada por IAC ou infusão manual. O modelo farmacocinético de três compartimentos para o propofol é bem descrito em manuais de farmacologia e as principais alterações farmacocinéticas em crianças foram discutidas acima. As implicações clínicas em crianças são bolus de indução maiores e taxas mais altas de infusão inicial relativas ao peso em comparação com adultos, seguidas de taxas mais baixas de infusão de manutenção. Devido ao maior acúmulo em compartimentos periféricos durante infusões prolongadas, a falha em reduzir apropriadamente as taxas de infusão de manutenção podem levar ao atraso no despertar da anestesia.13

A AIVT à base de propofol é administrada idealmente usando-se uma bomba de IAC com um modelo pediátrico apropriado. Os dois modelos pediátricos de IAC seguintes são comumente usados:

  • Paedfusor: adequado para idades entre 1 e 16 anos e peso de 5 a 61 kg
  • Kataria: adequado para idades entre 3 e 16 anos e peso de 15 a 61 kg.

Deve-se observar que os modelos pediátricos de IAC trabalham com previsão da concentração plasmática (Cp) ao invés de previsão de concentração no sítio efetor (Ce); então, os médicos precisar lembrar de considerar o tempo para permitir o equilíbrio de Cp-Ce ao aumentar ou diminuir os níveis do alvo. Os valores típicos de Cp em estado de equilíbrio (steady state) para o propofol incluem os seguintes:

  • Propofol (único agente) → Cp = 4 a 6 mcg/ml
  • Propofol + adjuvantes* (p.ex.: infusão de remifentanil ou anestesia regional) → Cp = 3 a 4 mcg/ml. * Isso exclui bloqueadores neuromusculares (BNMs).

Os modelos de IAC para adultos podem potencialmente ser aplicados a alguns usos pediátricos limitados. Por exemplo, adolescentes pesando > 61 kg podem potencialmente ser manejados usando-se o modelo de Marsh para adultos (Obs.: não há covariável de idade, embora a bomba de IAC exija uma idade > 16 para ser programada). Recentemente, Eleveld et al. desenvolveram um modelo farmacocinético-farmacodinâmico para a IAC de propofol que previu concentrações de propofol e índice bispectral (BIS) para uma ampla população variando desde neonatos até pacientes idosos.14 Embora tenha havido limitações com o modelo farmacodinâmico para crianças pequenas e adolescentes, é encorajador que possa eventualmente haver um único modelo de IAC de propofol a ser aplicado tanto a pacientes pediátricos quanto a adultos.

Esquemas de infusão manual são usados em países onde a IAC não tem aprovação regulatória. Eles também podem ser usados como uma alternativa à IAC quando bombas de IAC pediátrica apropriadas não estão disponíveis, ou para pacientes fora da faixa de idade/peso dos modelos disponíveis (p.ex.: crianças < 1 ano). McFarlan propôs um esquema de infusão para crianças de 3 a 11 anos (v. tabela 1).15 Uma dose de indução em bolus (2,5 mg/kg) é seguida por uma infusão de manutenção com posteriores ajustes na taxa de infusão em intervalos de tempo estabelecidos, com a meta de se atingir uma Cp em estado de equilíbrio = 3mcg/ml. Na prática clínica, visar uma Cp em estado de equilíbrio = 3mcgl geralmente requer a adição de um adjuvante para se atingir profundidade anestésica adequada e condições cirúrgicas ideais. Steur et al. propuseram um esquema de infusão para crianças < 3 anos (v. tabela 2).16 Após o bolus de indução, as taxas de infusão variam entre os subgrupos etários considerando-se a farmacocinética alterada para as diferentes idades. Observe que o esquema de Steur sugere taxas de infusão muito altas em crianças < 6 meses (> 20 mg/kg/h) e devem ser usadas com cuidado nesta faixa etária. Para sinais de redução na profundidade anestésica, pode-se administrar bolus de propofol de 1 mg/kg ± adjuvantes, como opioides.

Esquemas de infusão manual fornecem apenas doses sugeridas e requerem titulação à resposta do paciente com o objetivo de se atingir uma anestesia clínica apropriada. Eles também precisar ser ajustados para contemplar vários fatores, como ansiedade pré-operatória, uso de adjuvantes, profundidade anestésica requerida, variabilidade interindividual, e comorbidades do paciente. Os modelos de infusão alvo-controlada também podem variar em sua precisão devido aos mesmos fatores mencionados, e podem até mesmo variar em seu desempenho em diferentes estágios da infusão (bolus, manutenção, recuperação).17,18 O uso de monitoramento por eletroencefalografia processada (EEGp), como o BIS (índice biespectral), para orientar o manejo é a abordagem preferida para lidar com quaisquer imprecisões em modelos de IAC ou infusões manuais, e outros fatores como variabilidade interindividual.

ADJUVANTES À AIVT À BASE DE PROPOFOL

O propofol como um agente anestésico único é extremamente fraco para manter a imobilidade do paciente. Pode-se usar adjuvantes para melhorar significativamente as condições cirúrgicas e a resposta hemodinâmica ao estímulo cirúrgico. Muitos adjuvantes também têm efeitos poupadores de propofol, resultando em menores exigências de alvo de propofol. Alguns adjuvantes típicos usados em AIVT à base de propofol são discutidos abaixo.

Remifentanil

O remifentanil é um opioide de ação ultrarrápida que é facilmente titulável devido ao seu rápido equilíbrio no sítio efetor. Suas vantagens incluem rápido início/final de ação e curta meia-vida sensível ao contexto. Suas desvantagens incluem depressão respiratória, hiperalgesia potencial, e rigidez da parede torácica. O remifentanil é eficiente em reduzir a necessidade de propofol em até 40%. O modelo de Minto é um algoritmo de IAC de remifentanil comumente usado e adequado para pacientes com idades ≤ 12 anos e peso ≤ 30 kg.19 Abaixo desta idade/peso, são usadas infusões manuais com taxas variando de 0,1 a 0,5 mcg/kg/min. Taxas de infusão de 0,1 a 0,3 mcg/kg/min geralmente fornecem analgesia intraoperatória adequada. Taxas de infusão mais altas (p.ex.: 0,4 a 0,5 mcg/kg/min) ou bolus pequenos (p.ex.: 0,5 a 1 mcg/kg) podem ser dados a pacientes durante períodos particularmente estimulantes (p.ex.: laringoscopia), contudo isso deve ser usado com cuidado, devido à potencial bradicardia.

Figura 3.

Figura 3. Administrando anestesia intravenosa total à base de propofol. AIVT indica anestesia intravenosa total; IAC, infusões alvo-controladas.

Tabela 1.

Tabela 1. Esquema de infusão de propofol de McFarlan para crianças de 3-11 anos (doses em mg/kg/h)15

Cetamina

A Cetamina é um antagonista do receptor N-metil D-aspartato (NMDA) com propriedades sedativas e analgésicas. Seus usos incluem medicação pré-anestésica, sedação, e analgesia perioperatória. As vantagens incluem menos depressão respiratória, broncodilatação e excelente analgesia. A cetamina também mantém melhor o tônus simpático, resultando em maior estabilidade hemodinâmica. Isso é extremamente útil em pacientes que estejam gravemente doentes ou que tenham comorbidades cardíacas. A cetaminha também pode ser usada como um agente anestésico único para AIVT em ambientes com recursos limitados (p.ex.: atendimento pré-hospitalar e países em desenvolvimento) ou quando a AIVT à base de propofol não é adequada (v. Figura 1).20,21 As desvantagens incluem maior volume de secreções nas vias aéreas, náusea, alucinações, e interferência com o monitoramento da EEGp. As taxas de infusão manual variam de 0,1 a 2,5 mg/kg/h, dependendo de fatores como procedimento, estado do paciente, e outros agentes usados.22,23 Para melhorar o despertar, as taxas de infusão são tipicamente reduzidas ao final do procedimento e cessam ao menos 30 minutos antes do despertar.20

Dexmedetomidina

A dexmedetomidina é um agonista α-2 com efeitos sedativos, ansiolíticos e analgésicos. Seus usos incluem medicação pré-anestésica e sedação pós-operatória. As vantagens incluem menos depressão respiratória e um efeito poupador de opioide. A dexmedetomidina pode causar uma hipertensão arterial inicial e, em seguida, hipotensão e bradicardia subsequentes, o que é exacerbado por taxas de infusão mais altas. Uma dose de ataque de 0,5 a 1 mcg/kg ao longo de 10 a 20 minutos pode ser administrada, tipicamente seguida de uma taxa de infusão intraoperatória de 0,2 a 0,5 mcg/kg/h. Devido à longa meia-vida sensível ao contexto da dexmedetomidina (até 250 minutos após uma infusão de 8 h), pode ser necessária a redução na taxa de infusão da dexmedetomidina e/ou outros agentes usados para evitar prolongar o tempo até o despertar e extubação.24,25

Outros Adjuvantes

Opioides como o fentanil e o alfentanil podem ser administrados como infusões contínuas ou bolus intermitentes titulados. Eles também reduzem a necessidade de propofol e têm, em relação ao remifentanil, a vantagem de uma transição mais suave até uma analgesia à base de opioides. Sua desvantagem é uma meia-vida sensível ao contexto mais longa em comparação ao remifentanil, que pode causar atraso no despertar após infusões prolongadas. Bloqueadores neuromusculares são eficientes na melhoria das condições cirúrgicas, mas não reduzem a necessidade de propofol e precisam ser usados com cuidado durante a AIVT devido ao risco de despertar durante anestesia geral. Deve-se observar também que o propofol não tem o mesmo efeito potencializador sobre BNMs que têm os anestésicos voláteis, consequentemente podem ser requeridas dose maiores e/ou mais frequentes de BNMs. O midazolam e a clonidina são agentes ansiolíticos e sedativos que podem ser usados como pré-medicação antes da AIVT, bem como no manejo do delírio ao despertar da anestesia. A anestesia regional também pode ser usada em combinação com AIVT à base de propofol. Bloqueios de nervos periféricos e técnicas neuraxiais, como bloqueios epidurais e caudais, são extremamente benéficos na redução da necessidade de doses de opioides e anestésicos.

EVITANDO PROBLEMAS NA ADMINISTRAÇÃO DE MEDICAMENTOS

Os problemas relacionados à garantia de uma administração apropriada de medicamentos durante a AIVT são os mesmos em adultos e crianças. Práticas padrão seguras para administração de AIVT sempre devem ser usadas (v. Figura 4). As bombas de infusão devem ser programadas corretamente, e as concentrações de medicamentos devem ser apropriadas para a dosagem baseada no peso. Muitas bombas de infusão manuais são capazes de realizar cálculos de taxa de dose baseada no peso; contudo, a taxa de infusão real sempre deve ser verificada para se confirmar que uma taxa adequada está sendo administrada. Taxas de infusão muito baixas (p.ex.: < 0,5 ml/h) podem não fornecer uma oferta de drogas confiável e consistente, e as drogas podem ser preparadas em concentrações de menor dosagem para evitar esse problema. Deve-se usar válvulas antirrefluxo para prevenir o refluxo de drogas à linha IV. O acesso intravenoso e os equipos para administração de drogas sempre devem ser mantidos visíveis, para que quaisquer problemas como desconexões e falha na cânula IV possam ser detectados precocemente e retificados. Em bebês e crianças menores, isso pode ser mais desafiador devido ao seu menor tamanho relativo abaixo dos campos estéreis. Ao final de todos os casos, as linhas de drogas devem ser esvaziadas para evitar administração acidental de quaisquer drogas anestésicas residuais no espaço morto do equipo.26

Tabela 2.

Tabela 2. Esquema de infusão de propofol de Steur para crianças ≤ 3 anos (doses em mg/kg/h)16

Figura 4.

Figura 4. Evitando problemas na administração de medicamentos. CIV indica cateter intravenoso; EEGp, eletroencefalografia processada; e BIS, índice biespectral.

Figura 5.

Figura 5. Usando monitoramento por eletroencefalografia processada em crianças durante anestesia intravenosa total à base de propofol. EEGp indica eletroencefalografia processada; BNMs, bloqueadores neuromusculares; e IAC, infusões alvo-controladas.

A eletroencefalografia processada fornece um valioso mecanismo de segurança ao atuar como um monitor de desconexão durante a AIVT (v. Figura 5). Os algoritmos pertencentes à EEGp, como BIS e Entropia, foram desenvolvidos usando-se dados de eletroencefalografia (EEG) de adultos e foram extrapolados para uso em crianças. Assim, a EEGp em anestesia pediátrica ainda está sendo pesquisada. Para crianças > 1 ano, o BIS de fato fornece valores consistentes com as relações de concentrações anestésicas vista em adultos.27 Entretanto, para bebês e neonatos (isto é, crianças < 1 ano), os valores do BIS não foram consistentes, possivelmente devido à imaturidade do cérebro em desenvolvimento e ao seu efeito na EEG.28 Atualmente, o monitoramento por EEGp é recomendado em crianças > 1 ano submetidas a AIVT, particularmente se forem administrados BNMs. Os valores-alvo são semelhantes aos de adultos (40 a 60), e, se os valores forem mantidos abaixo de 50, então é muito pouco provável que ocorra o despertar.29

Há limitações conhecidas da EEGp, como latência, interferência elétrica, e efeitos variáveis de drogas.30 Padrões anormais de EEG são outra limitação da EEGp. Esses incluem variantes genéticas normais, 31 bem como alterações patológicas como convulsões, hipoperfusão cerebral, e hipotermia. Transtornos neurológicos também podem ter um efeito na EEGp; por exemplo, valores baixos de BIS são observados em crianças com paralisia cerebral.32 Devido a essas limitações, os valores de EEGp não devem ser confiados isoladamente durante a AIVT à base de propofol, e devem ser periodicamente correlacionados aos dados brutos da EEG e do monitoramento clínico.

RESUMO

Há várias razões para se usar a AIVT à base de propofol em crianças, como infecção concorrente do trato respiratório superior e redução do delírio ao despertar da anestesia. Também é importante considerar quaisquer razões relevantes para não se usar propofol, como comprometimento cardiovascular e risco de síndrome de infusão relacionada ao propofol. Após avaliar os fatores relevantes a qualquer caso específico, quando os benefícios previstos superam os riscos, os anestesistas devem considerar fortemente o uso da AIVT à base de propofol. É possível estabelecer acesso IV em crianças antes da indução usando-se uma variedade de estratégias farmacológicas e não-farmacológicas. Entretanto, se uma indução com agentes anestésicos voláteis for realizada, muitos pacientes ainda podem se beneficiar da conversão à AIVT à base de propofol após a indução, particularmente crianças com risco aumentado de delírio ao despertar da anestesia. A AIVT à base de propofol pode ser administrada usando-se algoritmos de IAC pediátricos ou esquemas de infusão manual. O uso de adjuvantes pode melhorar enormemente a imobilidade e resposta hemodinâmica a estímulos cirúrgicos durante AIVT à base de propofol. É crucial implementar práticas padrão seguras de AIVT para garantir uma administração de medicamentos segura aos pacientes, incluindo concentrações corretas de medicamentos, bombas de infusão em funcionamento, e acesso IV confiável. Monitores de eletroencefalografia processada como o BIS fornecem um valioso monitor de “desconexão” durante AIVT à base de propofol, e devem ser usados em crianças > 1 ano. Os princípios gerais de AIVT à base de propofol em adultos podem ser aplicados à prática pediátrica. Os anestesistas e estagiários devem ser encorajados a ganhar experiência em fornecer AIVT à base de propofol a crianças.

REFERÊNCIAS

  1. Sivasubramaniam S. ATOTW 75. Target controlled infusions in anaesthetic practice. WFSA ATOTW. 2007; https://www. resources.wfsahq.org/resources/anaesthesia-tutorial-of-the-week. Accessed October 5, 2018.
  2. Al-Rifai Z, Mulvey D. Principles of total intravenous anaesthesia: basic pharmacokinetics and model descriptions. BJA Educ. 2016;16(3):92-97.
  3. Al-Rifai Z, Mulvey D. Principles of total intravenous anaesthesia: practical aspects of using total intravenous anaesthesia. BJA Educ. 2016;16(8):276-280.
  4. Regli A, Becke K, von Ungern-Sternberg BS. An update on the perioperative management of children with upper respiratory tract infections. Curr Op Anaesth. 2017;30(3):362-367.
  5. Hayes J, Veyckemans F, Bissonnette B. Duchenne muscular dystrophy: an old anesthesia problem revisited. Pediatr Anesth. 2007;18(2):100-106.
  6. Felleiter P. Propofol infusion syndrome—a fatal case at a low infusion rate. Anesth Analg. 2006;103(4):1050.
  7. Liolios A, Guerit JM, Scholtes JL, Raftopoulos C, Hantson P. Propofol infusion syndrome associated with short-term large- dose infusion during surgical anesthesia in an adult. Anesth Analg. 2005;100(6):1804-1806.
  8. Mortensen A, Lenz K, Abildstrøm H, Lauritsen TLB. Anesthetizing the obese child. Pediatr Anesth. 2011;21(6):623-629.
  9. Diepstraten J, Chidambaran V, Sadhasivam S, Esslinger HR, Cox SL, Inge TH, Knibbe CA, Vinks AA. Propofol clearance in morbidly obese children and adolescents: influence of age and body size. Clin Pharmacokinet. 2012;51(8):543-551.
  10. Cortinez LI, Anderson BJ, Penna A, Olivares L, Munoz HR, Holford NH, Struys MMRF, Sepulveda Pl. Influence of obesity on propofol pharmacokinetics: derivation of a pharmacokinetic model. Br J Anaesth. 2010;105(4):448-456.
  11. Kelly L, Cooper M. ATOTW 367. Paediatric anaesthesia: Challenges with induction. WFSA ATOTW. 2017; https://www. resources.wfsahq.org/resources/anaesthesia-tutorial-of-the-week. Accessed May 29, 2018.
  12. Mason KP. Paediatric emergence delirium: a comprehensive review and interpretation of the literature. Br J Anaesth. 2017;118(3):335-343.
  13. Short TG, Aun CS, Tan P, Wong J, Tam YH, Oh TE. A prospective evaluation of pharmacokinetic model controlled infusion of propofol in paediatric patients. Br J Anaesth. 1994;72(3):302-306.
  14. Eleveld DJ, Colin P, Absalom AR, Struys MMRF. Pharmacokinetic-pharmacodynamic model for propofol for broad application in anaesthesia and sedation. Br J Anaesth. 2018;120(5):942-959.
  15. McFarlan CS, Anderson BJ, Short TG. The use of propofol infusions in paediatric anaesthesia: a practical guide. Pediatr Anesth. 1999;9(3):209-216.
  16. Steur RJ, Perez RS, DeLange JJ. Dosage scheme for propofol in children under 3 years of age. Pediatr Anesth. 2004;14(6):462-467.
  17. Rigouzzo A, Servin F, Constant I. Pharmacokinetic-pharmacodynamic modelling of propofol in children. Anesthesiology. 2010;113(2):343-352.
  18. Sepulveda P, Cortinez LI, Saez C, Penna A, Solari S, Guerra I, Absalom AR. Performance evaluation of paediatric propofol pharmacokinetic models in healthy young children. Br J Anaesth. 2011;107(4):593-600.
  19. Minto CF, Schnider TW, Egan TD, Youngs E, Lemmens HJM, Gambus PL, Billard V, Hoke JF, Moore KHP, Hermann DJ, Muir KT, Mandema JW, Shafer SL. Influence of age and gender on the pharmacokinetics and pharmacodynamics of remifentanil: I—model development. Anesthesiology. 1997;86(1):10-23.
  20. Stevenson C. Ketamine: a review. WFSA Update Anaesth. 2005; https://resources.wfsahq.org/resources/update-in-anaes thesia. Accessed May 11, 2018.
  21. Gales A, Maxwell S. ATOTW 381. Ketamine: recent evidence and current uses. WFSA ATOTW. 2018; https://www. resources.wfsahq.org/resources/anaesthesia-tutorial-of-the-week. Accessed July 1, 2018.
  22. Shann F. Drug Doses. 17th ed. Melbourne, Australia: University of Melbourne; 2017.
  23. Weatherall A, Venclovas R. Experience with a propofol-ketamine mixture for sedation during pediatric orthopedic surgery. Pediatr Anesth. 2010;20(11):1009-1016.
  24. Mahmoud M, Mason KP. Dexmedetomidine: review, update, and future considerations of paediatric perioperative and periprocedural applications and limitations. Br J Anaesth. 2015;115(2):171-182.
  25. Kim DJ, Kim SH, So KY, Jung KT. Effects of dexmedetomidine on smooth emergence from anaesthesia in elderly patients undergoing orthopaedic surgery. BMC Anesthesiol. 2015;15:139.
  26. Bowman S, Raghavan K, Walker IA. Residual anaesthesia drugs in intravenous lines—a silent threat? Anaesthesia. 2013;68(6):557-561.
  27. Whyte SD, Booker PD. Bispectral index during isoflurane anaesthesia in paediatric patients. Anesth Analg. 2004;98(6):1644-1649.
  28. Davidson AJ, Huang GH, Rebmann CS, Ellery C. Performance of entropy and bispectral index as measures of anaesthesia effect in children of different ages. Pediatr Anesth. 2005;95(5):674-679.
  29. Davidson AJ, Kwok T. Performance of BIS in children using the paediatric BIS Quattro sensor. Anaesth Intensive Care. 2008;36(6):807-813.
  30. Duarte LT, Saraiva RA. When the bispectral index can give false results. Rev Bras Anestesiol. 2009;59(1):99-109.
  31. Schnider TW, Luginbuehl M, Petersen-Felix S, Mathis J. Unreasonably low bispectral index values in a volunteer with genetically determined low-voltage electroencephalographic signal. Anesthesiology. 1998;89(6):1607-1608.
  32. Choudhry DK, Brenn BR. Bispectral index monitoring: a comparison between normal children and children with quadriplegic cerebral palsy. Anesth Analg. 2002;95(6):1582-1585.
Tutorial Outline