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Basic Sciences

Tutorial 428

Vasopressina

Thomas Snell1, Caroline Oliver2

  • Residente no Núcleo de Anestesia, North Bristol NHS Trust, Bristol, UK
  • Anestesista Consultor e Intensivista, North Bristol NHS Trust, Bristol, UK

Editado por: Dr. Fran Smith, Anestesista Consultor, North Bristol NHS Trust, Bristol, UK

† Email do autor correspondente: T.Snell@doctors.org.uk

Published July 7, 2020

PONTOS CHAVE

A vasopressina é um hormônio neuroendócrino nonapeptídeo endógeno envolvido no controle homeostático da osmolalidade sérica e pressão arterial, exercendo seus efeitos através de vasoconstricção e aumento na absorção renal de líquidos.

A infusão de vasopressina é recomendada pelas Diretrizes Sobrevivendo à Sepse – Surviving Sepsis Guidelines (2016) como um agente vasopressor de segunda linha para elevar a pressão arterial ou reduzir as exigências de noradrenalina em pacientes com choque séptico.

As evidências de sua eficácia no choque séptico não são claras, mas pode beneficiar alguns subgrupos de pacientes.

A vasopressina possui dois análogos, a terlipressina e a desmopressina, que são usados no tratamento de varizes esofágicas com sangramento, diabetes insipidus craniano e em pacientes com hemofilia e doença de von Willebrand.

 

 

 

 

INTRODUÇÃO

A vasopressina, também conhecida como hormônio antidiurético ou arginina vasopressina, é um hormônio endógeno envolvido no controle homeostático da osmolalidade sérica e pressão arterial. A vasopressina é liberada pela hipófise posterior e tem ação em vários tipos de receptores. Na saúde, o efeito fisiológico predominante é o aumento da absorção de água no ducto coletor renal, reduzindo, assim, a osmolalidade sérica e aumentando o volume circulante.1   A Figura 1 apresenta um diagrama descrevendo os mecanismos deste efeito. Entretanto, há alguns subtipos diferentes de receptores com diferentes efeitos fisiológicos que incluem vasoconstricção potente. Estas ações estabelecem um sistema fisiológico importante a ser abordado clinicamente.

O choque séptico é uma das áreas de interesse. A vasopressina proporciona um mecanismo de vasoconstricção não mediado por catecolaminas e, como tal, oferece uma opção de tratamento adicional nesta coorte. As evidências que defendem o seu uso são inconclusivas. O estudo VAAST (2008)2 foi o primeiro estudo randomizado controlado a investigar os efeitos da vasopressina e os resultados mostraram um efeito poupador de noradrenalina significativo, porém o estudo não tinha evidências de redução na mortalidade.  Estudos subsequentes, entre eles o estudo VANISH (2016)3 e uma grande meta análise de dados de pacientes feita por Nagendran et al (2019),4 também fracassaram em apresentar melhores taxas de mortalidade nesta coorte de pacientes, embora possam demonstrar benefícios em outros parâmetros clínicos.

Este tutorial explorará a ciência básica da vasopressina e seus efeitos na saúde e na doença. Sua farmacocinética e usos clínicos serão explorados, entre eles as evidências atuais que corroboram o seu uso.

FISIOLOGIA EM SAÚDE

O corpo mantém um controle restrito da osmolalidade sérica, entre 275 e 295 mmol/kg. A osmolalidade reflete o número total de partículas dissolvidas em um quilograma de soluto, medido em mmol/kg e controla de maneira importante a água corporal total devido à permeabilidade da membrana celular à água.  Alguns mecanismos são importantes para manter isto, como a sede e a subsequente ingesta de água, a excreção de partículas osmoticamente ativas e a vasopressina.

Figura 1. Mecanismos de ação da vasopressina.

A vasopressina é um pequeno hormônio neuroendócrino nonapeptídeo produzido no núcleo supraótico e núcleo paraventricular do hipotálamo por neurônios magnocelulares.  É transportado pelo infundíbulo via axônios nervosos até o corpo celular para ser armazenado, localizado na hipófise posterior.

Em resposta ao aumento da osmolalidade sérica, a vasopressina é liberada da hipófise posterior para a circulação sistêmica, onde exerce seus efeitos.  Sua liberação também é estimulada pela estimulação simpática, redução no disparo de barorreceptores e angiotensina II.1,5 Os receptores através dos quais ela exerce seu efeito e seus mecanismos de ação estão demonstrados na Tabela 1.

A vasopressina é um pequeno hormônio neuroendócrino nonapeptídeo produzido no núcleo supraótico e núcleo paraventricular do hipotálamo por neurônios magnocelulares.  É transportado pelo infundíbulo via axônios nervosos até o corpo celular para ser armazenado, localizado na hipófise posterior.

Em resposta ao aumento da osmolalidade sérica, a vasopressina é liberada da hipófise posterior para a circulação sistêmica, onde exerce seus efeitos.  Sua liberação também é estimulada pela estimulação simpática, redução no disparo de barorreceptores e angiotensina II.1,5 Os receptores através dos quais ela exerce seu efeito e seus mecanismos de ação estão demonstrados na Tabela 1.

FARMACOCINÉTICA

A vasopressina está disponível em 3 formas análogos sintéticos. A Tabela 2 apresenta os usos destes análogos.

Absorção

A desmopressina é o único análogo da vasopressina que não exige administração intravenosa. A absorção é 0,25% sublingual, 0,08% a 0,16% oral, ou 10% intranasal.

Distribuição

A vasopressina e seus análogos têm pequenos volumes de distribuição: vasopressina, 0,14 L/kg; terlipressina, 0,5 L/kg; desmopressina,

0,2 a 0,32 L/kg. A vasopressina não é ligada à proteína.

Metabolismo

A vasopressina endógena é metabolizada por vasopressinases hepáticas, conferindo uma meia-vida de 10 a 35 minutos. A meia-vida da terlipressina é mais longa em 50 a 70 minutos, e a da desmopressina é mais longa ainda em 2 a 3 horas, devido à degradação enzimática mínima.

Excreção

Um total de 65% da dose administrada tanto de vasopressina como de desmopressina é excretada inalterada na urina.6

Tabela 1. Fisiologia do Receptor de Vasopressina1 (ACTH, hormônio adrenocorticotrópico; GPCR, receptor acoplado à proteína G)

EFEITOS COLATERAIS

A Tabela 3 apresenta efeitos colaterais comuns observados com o uso de vasopressina e seus análogos.

USOS CLÍNICOS Vasopressina em Choque Séptico Refratário a Catecolaminas

As Diretrizes Sobrevivendo à Sepse – Surviving Sepsis Guidelines – de 20168 fornecem orientações para a melhor conduta prática baseada em evidências no tratamento de sepse, entre elas a fluidoterapia endovenosa, agentes antimicrobianos e suporte de vasopressor.  A noradrenalina é o atual vasopressor de primeira linha nestas diretrizes; entretanto, a vasopressina é recomendada como segunda linha em estados resistentes à catecolamina. As orientações afirmam:

Sugerimos a adição de vasopressina (até 0,03 U/min) (recomendação fraca, qualidade de evidências moderada) à norepinefrina com a intuito de elevar o MAP até o alvo, ou adicionar vasopressina (até 0,03 U/min) (recomendação fraca, qualidade de evidências moderada) para diminuir a dose de norepinefrina.

Na prática clínica, a faixa de dose de 0,01 a 0,04 U/min é frequentemente observada.6 Taxas de infusão mais elevadas foram associadas a taxas de isquemia de membros, digital e mesentérica. Não há uma recomendação clara em relação ao limiar de quando iniciar a vasopresssina no choque séptico refratário à catecolamina, e a iniciação de seu tratamento depende da interpretação do médico de um estado refratário à catecolamina.

Tabela 2. Análogos da Vasopressina e seus Usos Clínicos6

Tabela 3. Efeitos Colaterais de Vasopressina e seus Análogos6,7

Os níveis de vasopressina no choque séptico têm sido comprovadamente mais baixos do que se imaginava, sendo que a isto se atribui o termo deficiência relativa de vasopressina.9 A razão disto e sua significância não são claras. O estudo VASST, um estudo randomizado controlado comparando noradrenalina com noradrenalina e vasopressina a 0,03 U/min em pacientes com choque séptico não apresentou nenhuma diferença nos desfechos.2 Entretanto, em uma análise de subgrupo, os pacientes que receberam infusão de noradrealina a uma taxa de menos 15 µg/min apresentaram sobrevida aumentada com a adição de vasopressina.

O estudo VANISH3 randomizou 409 pacientes tratados por choque séptico para receberem vasopressina (com hidrocortisona ou placebo) ou noradrenalina (com hidrocortisona ou placebo). Novamente não houve nenhuma melhora na mortalidade, porém o braço da vasopressina apresentou uma redução no uso de terapia de reposição renal.  Isto pode ser explicado pela propriedade da vasopressina de constrição preferencial da arteríola renal eferente em relação à arteríola renal aferente, aumentando a pressão glomerular.

Uma meta-análise subsequente, incluindo 9 estudos com 1.324 pacientes, substanciou a falta de certeza nos dados relativos ao benefício na mortalidade.4 Embora a maioria dos estudos sejam eficazes na demonstração de um efeito poupador de catecolamina, efeitos benéficos sobre a morbidade e mortalidade ainda não foram comprovados. Por estas razões, as diretrizes são recomendações precárias, com variação considerável sendo observada na prática clínica.

Vasopressina em Parada Cardíaca

O uso da vasopressina em casos de parada cardíaca tem levantado interesse, o que levou à realização de vários estudos randomizados controlados.  Uma revisão da Cochrane de 26 desses estudos, envolvendo 704 participantes,examinou o uso de adrenalina, vasopressina ou uma combinação em pacientes de parada cardíaca internados ou ambulatoriais. Em comparação com a adrenalina de alta dosagem como agente único, a vasopressina como agente único ou em combinação com a adrenalina não conferiu benefícios em termos de retorno de circulação espontânea, sobrevida à internação hospitalar ou sobrevida com um desfecho neurológico favorável. Como tal, o uso de vasopressina não é corroborado pelas evidências atuais.10 A vasopressina foi retirada das diretrizes do Suporte Avançado de Vida Cardiovascular (SAVC/ACLS) para parada cardíaca em 2015 como resultado destas evidências.

Vasopressina em Intervenções Cirúrgicas

O fator de von Willebrand é uma grande glicoproteína envolvida na homeostase. É necessário para adesão plaquetária e age como uma ponte entre um subendotélio danificado e plaquetas ativadas. Também age na inibição da quebra do fator VIII, melhorando a homeostase.11 A vasopressina e a desmopressina agem via receptores V2 endoteliais, resultando em aumento mediado por AMP cíclico da liberação de fator de von Willebrand, em até 5 vezes.12 Por esta razão, a desmopressina é indicada no tratamento perioperatório da doença de von Willebrand e hemofilia A. É importante saber que a contagem de plaquetas pode cair paradoxalmente no tratamento com desmopressina em certos tipos de doença de von Willebrand (tipo IIB), por isso a administração controlada e monitorizada pode ser indicada previamente à cirurgia para avaliação da resposta. A dose necessária neste contexto é até 15 vezes mais alta do que a necessária para o diabetes insipidus (DI).

A vasopressina também é usada em casos de miomectomia e outras intervenções cirúrgicas no útero. As propriedades vasoconstrictoras observadas após a injeção intrauterina direta reduzem as taxas de sangramento local, porém frequentemente causam uma elevação correspondente na pressão arterial da qual o anestesista deve estar ciente.

O Uso de Vasopressina em Doação de Orgãos

Pacientes acometidos por morte encefálica são submetidos a alterações fisiopatológicas extensas, com profunda desregulação hormonal.  Níveis elevados de catecolaminas e níveis reduzidos de cortisol, vasopressina, insulina e hormônios tireoidianos são observados. Naqueles pacientes que doam seus órgãos após morte encefálica há, portanto, o desejo de evitar os efeitos deletérios que estas alterações podem provocar. Especialistas em doação de órgãos podem recomendar a administração de vasopressina nesses pacientes com esperança de melhorar a função dos órgãos após o transplante e, consequentemente, os desfechos do paciente. O uso da vasopressina é frequentemente recomendado, inclusive quando não é observado diabetes insipidus.  Apesar da lógica fundamental que sustenta o seu uso, as evidências são insuficientes e se baseiam, em grande parte, na opinião de especialistas.  Por esta razão, sua recomendação varia de acordo com as políticas locais e devem-se buscar informações de especialistas em doação de órgãos.13

Terlipressina em Varizes Esofágicas com Sangramento

O sangramento de varizes esofágicas é uma complicação da hipertensão portal com risco de vida. As veias da submucosa no terço distal do esôfago tornam-se altamente dilatadas em resposta ao aumento da pressão portal e podem sangrar profusamente para dentro do esôfago. A terlipressina exerce seu benefício neste grupo de pacientes através do agonismo do receptor V1.14 A vasoconstrição esplâncnica reduz a pressão portal, reduzindo, assim, a pressão venosa das varizes esofágicas. Com a redução da taxa de sangramento observada através deste efeito, cria-se tempo adicional para facilitar a reanimação adequada e o tratamento definitivo via intervenção endoscópica.

Uma grande meta-análise de 201815 de 3.344 pacientes em 34 estudos randomizados controlados demonstrou que a terlipressina melhorou significativamente o controle do sangramento dentro de 48 horas, reduziu a mortalidade hospitalar, diminuiu o risco de complicações comparativamente com a vasopressina e melhorou ainda mais os desfechos quando combinada com a terapia de ligadura endoscópica

No Reino Unido, recomenda-se uma dose endovenosa de 2 mg a cada 4 horas até que o sangramento esteja controlado, diminuindo para 1 mg a cada 4 hours se necessário por um período máximo 48 horas.7 Os fabricantes recomendam redução da dose em pacientes com baixo peso corporal, portanto as diretrizes locais devem ser observadas.

Desmopressina em DI Craniano

O DI craniano é uma condição caracterizada pela incapacidade de secretar a vasopressina endógena, resultando em poliúria, polidipsia e noctúria. A seguir ocorre a hipovolemia, desidratação e desequilíbrio eletrolítico se não houver tratamento, devido à incapacidade do corpo de manter o equilíbrio hídrico adequado. As causas incluem cirurgia, lesão cerebral, infecção, tumores e condições hereditárias.16

Em 1913, a vasopressina foi usada pela primeira vez no tratamento do DI através da administração de extratos da hipófise posterior contendo vasopressina e oxitocina.  Somente na década de 1970 houve a introdução da desmopressina, que tinha muitas vantagens em relação à vasopressina. A desmopressina tem um perfil vasoconstritor menos potente se comparado à vasopressina e possui uma ação antidiurética mais pronunciada.  Estes fatores, somados à sua ação mais duradoura, disponibilidade de preparações orais e menos efeitos colaterais, fazem da desmopressina uma opção de tratamento mais adequada.16 Na população adulta, a dosagem oral pode variar de 0,2 to 1,2 mg por dia, em 3 doses divididas. As dosagens para administração endovenosa, sublingual e intranasal variam devido a alterações nos perfis de absorção.7

RESUMO

A vasopressina é um hormônio endógeno com papel importante na homeostase de líquidos e da pressão arterial. Possui vários usos clínicos devido à sua ampla gama de funções fisiológicas, atuando no sistema cardiovascular, equilíbrio hídrico e homeostase. Sua utilização no choque séptico resistente a catecolamina é reconhecida, embora sejam poucas as evidências de benefícios. Ainda assim, oferece uma nova opção farmacológica nesta coorte, uma vez que não se baseia no sistema nervoso simpático para exercer seus efeitos.

REFERÊNCIAS

  1. Holmes CL, Landry DW, Granton JT. Science review: vasopressin and the cardiovascular system part 1—receptor physiology. Crit Care. 2003;7(6):427-434.
  2. Russell JA, Walley KR, Singer J, et al. Vasopressin versus norepinephrine infusion in patients with septic shock. N Engl J Med. 2008;358(9):877-887.
  3. Gordon AC, Mason AJ, Thirunavukkarasu N, et al. Effect of early vasopressin vs norepinephrine on kidney failure in patients with septic shock: the VANISH randomized clinical trial. JAMA. 2016;316(5):509-518.
  4. Nagendran M, Russell JA, Walley KR, et al. Vasopressin in septic shock: an individual patient data meta-analysis of randomised controlled trials. Intensive Care Med. 2019;45:844-855.
  5. Danziger J, Zeidel ML. Osmotic homeostasis. Clin J Am Soc Nephrol. 2015;10(5):852-862.
  6. Smith S, Edwards C, Sasada M. Drugs Used in Anaesthesia and Critical Care. 4th ed. Oxford, UK: Oxford University Press; 2011.
  7. Kaufmann JE, Oksche A, Wollheim CB, et al. Vasopressin-induced von Willebrand factor secretion from endothelial cells involves V2 receptors and cAMP. J Clin Invest. 2000;106(1):107-116.
  8. Rhodes A, Evans LE, Alhazzani W, et al. Surviving Sepsis Campaign: international guidelines for management of sepsis and septic shock: 2016. Crit Care Med. 2017;45:486-552.
  9. Landry DW, Levin HR, Gallant EM, et al. Vasopressin deficiency contributes to the vasodilation of septic shock. Circulation. 1997;95(5):1122-1125.
  10. Kalra S, Zargar AH, Jain SM, et al. Diabetes insipidus: the other diabetes. Indian J Endocrinol Metab. 2016;20(1):9-21.
  11. Zhou X, Tripathi D, Song T, et al. Terlipressin for the treatment of acute variceal bleeding: a systematic review and metaanalysis of randomized controlled trials. Medicine (Baltimore). 2018;97(48):e13437.
  12. Joint Formulary Committee. British National Formulary. 78th ed. London, UK: BMJ Group and Pharmaceutical Press; 2019.
  13. Hilzenrat N, Sherker AH. Esophageal varices: pathophysiology, approach, and clinical dilemmas. Int J              Hepatol. 2012;2012:795063.
  14. Finn J, Jacobs I, Williams TA, et al. Adrenaline and vasopressin for cardiac arrest. Cochrane Database Syst Rev. 2019(1):CD003179.
  15. Peyvandi F, Garagiola I, Baronciani L. Role of von Willebrand factor in the haemostasis. Blood Transfus. 2011;9(2):3-8. 16. Hahnenkamp K, Bo¨ hler K, Wolters H, et al. Organ-protective intensive care in organ donors. Dtsch Arztebl Int. 2016;113(33-34):552-558.
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