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Basic Sciences

Tutorial 405

Anti-inflamatórios não-esteroidais

Dr J Sylvester, MBChB MRCP1†

1 Doutor Especialista, Hospital Barnsley, Reino Unido

Editado por: Dr Alex Konstantatos, Consultor em Anestesia, The Alfred, Austrália

Autor correspondente e e-mail: sylvesterj@doctors.org.uk

Tradução e supervisão da Comissão de Educação Continuada / Sociedade Brasileira de Anestesiologia

Publicado em 18 de junho de 2019

PONTOS-CHAVE

  • Anti-inflamatórios não-esteroidais são compostos analgésicos simples com ampla variedade de aplicações clínicas e todos os anestesistas devem ter familiaridade com o seu uso.
  • Eles agem por meio da inibição da enzima ciclo-oxigenase (COX) para reduzir a produção de endoperoxidases cíclicas.
  • Têm efeitos colaterais comuns que envolvem os sistemas gástrico, renal, cardiovascular, hematológico e respiratório, que devem ser levados em consideração antes de se prescrevê-los.
  • As preocupações relacionadas à segurança cardiovascular levaram à remoção de muitos inibidores COX-2 do mercado.

INTRODUÇÃO

Anti-inflamatórios não-esteroidais (AINEs) são medicamentos analgésicos simples, que, junto com o paracetamol, compõem o 1° degrau da escada de dor da Organização Mundial da Saúde. A escada de dor da Organização Mundial da Saúde é uma abordagem de analgesia baseada em degraus, começando no 1° degrau com analgésicos simples e subindo até opioides fracos no 2º passo e opioides fortes no 3° degrau. São usados por milhões de pessoas no mundo todo para tratar uma ampla gama de transtornos de dor aguda e crônica. No período perioperatório, eles são medicamentos úteis para se tratar dor leve a moderada e para reduzir o consumo de opioides e seus efeitos colaterais. Também são usados por seus efeitos anti-inflamatórios e antipiréticos.

As indicações para AINEs incluem as seguintes:

Condições inflamatórias
Doença crônica das articulações
Dor musculoesquelética
Cefaleia
Dor menstrual
Dor de dente
Dor pós-operatória leve a moderada

MECANISMO DE AÇÃO

Os AINEs funcionam por meio da inibição da função da enzima ciclo-oxigenase (COX) e, assim, reduzem a produção de prostaglandinas. A aspirina é um inibidor irreversível da COX; os AINEs restantes funcionam de maneira reversível.

Fosfolipídios de membrana são inicialmente convertidos em ácido araquidônico pela fosfolipase A2, como resultado de inflamação e dano tecidual. O ácido araquidônico é então convertido em prostaglandinas através da via da COX ou alternativamente convertido em leucotrienos pela enzima lipoxigenase (Figura 1).

Figura 1.

Figura 1. Via do ácido araquidônico mostrando a produção de prostaglandinas por fosfolipídios de membrana. A via do leucotrieno é responsável pelo grupo de pacientes com asma sensível a AINEs.

O tipo de prostaglandina produzida depende do tecido específico.¹ Os efeitos das prostaglandinas em diferentes tecidos estão resumidos na Tabela 1.

A COX existe em 3 isoformas: COX-1, COX-2, e COX-3. Acredita-se que a COX-1, a chamada forma constitutiva, esteja presente em tecidos normais e é responsável pela produção de prostaglandinas, que são vitais para processos fisiológicos normais, como a manutenção do fluxo sanguíneo renal, a proteção da mucosa gástrica e a adesividade das plaquetas.² A COX-2 está ausente na maioria dos tecidos, exceto por no cérebro, útero, rins e próstata. É induzível e os níveis são suprarregulados por dano e lesão tecidual. A produção da prostaglandina E2 e prostaglandina F2a resulta em sensibilização de fibras nervosas nociceptivas a estímulos dolorosos após lesão tecidual.³ Os AINEs causam uma redução em sua síntese e, portanto, promovem analgesia. A COX-3 é encontrada dentro do sistema nervoso central, e acredita-se que seja o local de ação do paracetamol; a natureza exata da isoenzima não está clara atualmente.

Uma ampla gama de AINEs está disponível com diferentes graus de inibição de COX-1 e COX-2. O grau de inibição de cada isoenzima determina seu perfil de efeitos colaterais.

A maioria dos AINEs são administrados oralmente, com as exceções do cetorolaco e do parecoxibe (administração intravenosa), e do diclofenaco (administração oral, intravenosa e retal). São ácidos orgânicos fracos e, por isso, absorvidos rapidamente no estômago e intestino delgado. O estômago tem pH mais baixo que o intestino delgado e, portanto, mais medicamento está na forma não-ionizada mais absorvível; contudo, a principal fonte de absorção é o intestino delgado, devido à sua grande área superficial. Os AINEs têm alta biodisponibilidade devido a um limitado metabolismo hepático de primeira passagem. São moléculas altamente ligadas a proteínas e, como resultado, podem deslocar outras medicações ligadas a proteínas, levando a concentrações mais altas de medicamento livre e maior risco de eventos adversos (p. ex.: deslocamento de varfarina da albumina, levando a maior risco de sangramento). A biotransformação é, em grande parte, hepática, com metabólitos excretados na urina.

Tabela 1.

Tabela 1. Subtipo de Prostaglandina e Efeito nos tecidos. PG-Prostaglandina. TXA2 – Tromboxano A2

Tabela 2.

Tabela 2. O número necessário para tratar (NNT) é o número de pessoas que precisam receber medicamento para atingir redução de 50% da dor máxima. * Tramadol e paracetamol foram adicionados apenas para comparação de eficácia analgésica4.

PROPRIEDADES ANALGÉSICAS

A eficácia dos AINEs para o tratamento de condições dolorosas é bem conhecida. Geralmente são usados como parte de uma abordagem multimodal à analgesia. Para melhores resultados, devem ser prescritos regularmente junto com paracetamol; também devem ser prescritos em duração mínima, para evitar efeitos colaterais. A comparação direta de AINEs pode ser obtida nas tabelas de analgésicos em dor aguda da Liga de Oxford. A tabela da Liga dá a cada droga uma nota com base em seu número necessário para tratar, a fim de reduzir a dor em 50% quando comparadas a um placebo. (Tabela 2)

FARMACODINÂMICA E EFEITOS COLATERAIS

Gastrintestinais

OS efeitos colaterais podem variar desde leve dispepsia até hemorragia maciça causada por úlcera gástrica perfurada, como resultado de inibição da produção de prostaciclina. Vale notar que os efeitos colaterais gastrintestinais não se resumem apenas ao estômago. As prostaciclinas têm vários efeitos gástricos protetores; elas reduzem a quantidade de ácido estomacal produzido e mantêm uma camada de mucosa protetora, aumentando a produção de mucosa e melhorando o fluxo sanguíneo local. A irritação gástrica também pode ser causada por irritação direta dos próprios medicamentos.¹ Embora os inibidores de COX-2 sejam mais específicos para a enzima COX-2, alguns ainda retêm certa inibição de COX-1, causando risco de sangramento gastrintestinal, embora menos que AINEs não-específicos.

Renais

Sob condições fisiológicas normais, a prostaciclina e o óxido nítrico levam ao relaxamento do músculo liso no endotélio vascular e, portanto, à vasodilatação. As prostaciclinas desempenham papel essencial na regulação do tônus arterial aferente e eferente no glomérulo, conhecido por desempenhar um papel vital na preservação da função renal em estados hipovolêmicos. A inibição de produção de prostaciclinas pode levar a uma taxa menor de filtração glomerular, retenção de sal e água, e lesão renal aguda. Esses mecanismos são particularmente importantes em pacientes com hipovolemia e insuficiência cardíaca crônica que sejam sensíveis a mudanças na pressão de perfusão renal.

Respiratórios

Até 10% dos pacientes com asma têm doença exacerbada pelos AINEs.5,6 Um mecanismo de ação proposto é que a inibição do metabolismo do ácido araquidônico pela COX leve ao aumento na produção de leucotrienos. Os leucotrienos têm ações broncoconstritoras diretas.

Cardiovasculares

Inibidores específicos de COX-2 ou ‘coxibes’ foram introduzidos no mercado para evitar os efeitos colaterais comuns e graves sobre o trato gastrintestinal alto pela inibição da COX-1 por AINEs não-específicos. Contudo, as preocupações acerca de sua segurança cardiovascular limitaram seu uso disseminado. Há um aumento dependente da dose no risco de eventos trombóticos, tanto cardíacos quanto cerebrais.³ O rofecoxibe e o valdecoxibe foram retirados do mercado devido ao aumento do número de eventos cardiovasculares associados especificamente a essas 2 drogas. O risco é mais alto em pacientes com doença cardiovascular pré-existente, e, portanto, o uso de inibidores de COX-2 é contraindicado para pacientes com insuficiência cardíaca, doença cardíaca isquêmica, e doença vascular periférica e cerebrovascular.

Hematológicos

Em plaquetas, a COX metaboliza o ácido araquidônico em tromboxano A2, o que leva à maior adesividade de plaquetas e vasoconstrição.¹ Em contraste, no músculo liso vascular, forma-se a prostaciclina, que causa vasodilatação e reduz agregação de plaquetas. A hemostasia resulta do equilíbrio delicado entre esses sistemas. Assim, os AINEs levam à redução da função e adesividade das plaquetas, e a um maior tempo de sangramento. A aspirina merece menção especial, pois inibe irreversivelmente a COX de plaquetas. Como resultado, as plaquetas se tornam ineficientes durante todo o seu ciclo de vida de 10 dias.

Cicatrização Óssea

Há um risco teórico de que os AINEs, em particular os inibidores de COX-2, causem redução da taxa de cicatrização óssea e aumento da incidência de não-consolidação de fraturas. Após uma fratura, há maior produção de prostaglandinas como parte da resposta inflamatória, o que aumenta o fluxo sanguíneo local.³ Acredita-se que o bloqueio desse mecanismo seja prejudicial à cicatrização dos ossos; contudo, atualmente, não há provas científicas de alta qualidade para confirmar isso.

O PAPEL DO AINE NA PRÁTICA PERIOPERATÓRIA

Os AINEs podem ser prescritos como medicação pré-anestésica, administrados intraoperatoriamente, e continuados no pós-operatorio como parte de um regime analgésico multimodal. A prescrição de AINEs deve ser na dose efetiva mais baixa possível e pelo mais curto período de tempo, para evitar quaisquer potenciais efeitos colaterais. Eles são seguros para a maioria dos pacientes no período perioperatório; contudo, há certas condições que exigem menção especial.

Gravidez

Os AINEs fornecem analgesia excelente para pacientes pós-parto cesáreo, e podem ser convenientemente administrados na forma de supositório retal. Contudo, são contraindicados durante o período pré-natal nas mães, pois há o risco de fechamento prematuro do canal arterial e oligo-hidrâmnio. Também são contraindicados em pacientes com pré-eclâmpsia, pois podem piorar a insuficiência renal e o risco de sangramento.

Cirurgia de Alto Risco

Em cirurgias com alto risco de sangramento, como cirurgia vascular, ou quando o sangramento puder resultar em desfecho catastrófico, como neurocirurgia e cirurgia oftálmica, a decisão de se prescrever AINEs deve ser feita caso a caso e em conjunto com os conselhos da equipe cirúrgica.

Pacientes em Estado Crítico e Idosos

Pacientes que estejam sofrendo de doença grave, como septicemia ou pancreatite grave, dependem mais da vasodilatação arteriolar renal das prostaglandinas para manter a perfusão renal. Se este mecanismo for removido pelo uso de um AINE, isso pode levar a um maior risco de insuficiência renal aguda.

Anestesia Regional

Embora os AINEs possam afetar a função das plaquetas por até 7 dias, e a aspirina por todo o ciclo de vida da plaqueta, não há aumento do risco de hematoma epidural e, portanto, não há contraindicações a pacientes que receberão anestesia regional ou bloqueio do neuroeixo.

Inibidor da Enzima de Conversão da Angiotensina (IECA)

Como discutido anteriormente, devido ao efeito nas arteríolas renais, os AINEs devem ser prescritos com cuidado a pacientes que tomam medicamentos IECAs, devido ao risco de lesão renal aguda. O mecanismo de ação de medicamentos IECAs e seus efeitos colaterais foram discutidos anteriormente no ATOTW 28.8

RESUMO

Os anti-inflamatórios não-esteroidais são medicamentos analgésicos simples e efetivos com os quais todos os anestesistas devem estar familiarizados. Embora altamente efetivos, eles têm um modo de ação complexo e muitos potenciais efeitos colaterais e interações medicamentosas. É vital conhecer a farmacologia básica ao se prescrever esses medicamentos, a fim de evitar quaisquer complicações.

REFERÊNCIAS

  1. Lewis KE. Analgesic drugs. In: Pinnock C, Lin T, Smith T. Fundamentals of Anaesthesia. Greenwich MedicalMedia; 1999:628–632.
  2. Husband M, Mehta V. Cyclo-oxygenase-2 inhibitors. Cont Educ Anaesth Crit Care Pain. 2013;13(4):131-135.
  3. Gupta B. Non-steroidal anti-inflammatory drugs. Update Anaesth. 2008;24(2):115-117.
  4. Ong CKS, Lirk P, Tan CH, et al. An evidence-based update on nonsteroidal anti-inflammatory drugs. Clin Med Res. 2007;5(1):19-34.
  5. Sturtevant J. NSAID induced bronchospasm—a common and serious problem. N Z Dent J. 1999;95(421):84.
  6. Lewis SR, Nicholson A, Cardwell ME, Siviter G, Smith AF. Nonsteroidal anti-inflammatory drugs and perioperative bleeding in paediatric tonsillectomy. Cochrane Database Syst Rev 2013; 7:CD003591 pmid: 23881651
  7. Anesthetic Association of Great Britain and Ireland guidelines. Regional anaesthesia and patients with abnormalities of coagulation. 18/11/2013. https://www.aagbi.org/publications/guidelines/regional-anaesthesia-and-patients-abnormalitiescoagulation-correction-publi. Accessed April 1, 2019.
  8. Mayell AC. Hypertension in anaesthesia. Anaesthesia Tutorial of The Week 28. https://resources.wfsahq.org/components/com_ virtual_library/media/1f063c489ff87dcbb4dccfcabd851f4b-596e20871496b83e6951765710db38b2-28-Hypertension-in-an aesthesia.pdf. Accessed May 18, 2019.
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