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Basic Sciences

Tutorial 297

Apnéia E Pré-Oxigenação

Dr. Andrew Biffen
Dr. Richard Hughes
Torbay Hospital, UK

Tradução autorizada do ATOTW #297 por Dra. Gabriela Nerone, Hospital Governador Celso Ramos, Brasil.

Correspondência para sba@sba.com.br

4 DE NOVEMBRO DE 2013


QUESTÕES

Antes de prosseguir, tente responder às seguintes questões. As respostas estão no final do artigo, juntamente com as respectivas explicações.

Questões de múltipla escolha: para cada opção, assinale verdadeiro ou falso.

  1. Os seguintes fatores reduzem a capacidade residual funcional:
    1. Obesidade
    2. Idade avançada
    3. Gestação
    4. Anestesia geral
    5. Posição supina
  2. A pressão parcial alveolar de oxigênio (PAO2) é diretamente influenciada por:
    1. Altitude
    2. Fração inspirada de oxigênio
    3. Laringoscopia
    4. Peso
    5. Hiperventilação
  3. Resposta única: escolha a única opção apropriada como resposta. A pré-oxigenação é alcançada mais adequadamente através do seguinte método:
    1. O2 a 10L/min através de máscara de Hudson por 5 minutos
    2. 8 ventilações de capacidade vital em um minuto de O2 a 100% através de máscara facial bem acoplada
    3. 12 ventilações de volume corrente em um minuto de O2 a 100% através de máscara facial bem acoplada
    4. 3 minutos de ventilação de volume corrente de O2 a 100% com o paciente segurando a máscara facial
    5. 15L/min de O2 através de máscara não-reinalante por 7 minutos

INTRODUÇÃO

O objetivo da pré-oxigenação é aumentar as reservas de oxigênio de modo a prolongar o tempo até a dessaturação em caso de apnéia, como ocorre frequentemente na indução da anestesia. Esse é o caso particularmente em uma indução em sequência rápida, quando se evita a ventilação por pressão positiva antes da intubação traqueal. A pré-oxigenação também pode ser vista como denitrogenação – ressaltando o fato de que é o nitrogênio que está sendo deslocado de dentro das vias aéreas pela alta concentração de oxigênio inspirado.

A taxa de dessaturação de oxigênio é influenciada pelo equilíbrio entre as reservas de oxigênio e o seu consumo. O oxigênio é armazenado no corpo dentro dos pulmões, sangue e tecidos. No contexto da pré-oxigenação, o maior aumento nas reservas de oxigênio ocorre nos pulmões; mais especificamente, na capacidade residual funcional (CRF). As reservas pulmonares de oxigênio são resultado da fração de oxigênio dentro dos alvéolos (estimada pela análise da fração expirada de oxigênio – FeO2) e da CRF. Heterogeneidade da relação ventilação-perfusão (V/Q), shunt particularmente, também afeta o conteúdo oxigênio no sangue. Isso pode ser influenciado pela relação entre a CRF e a capacidade de fechamento. O consumo de oxigênio é influenciado pela taxa metabólica. Alguns cenários clínicos, como obesidade, sepse, gestação e população pediátrica, cursam com encurtamento do tempo até a dessaturação.

CAPACIDADE RESIDUAL FUNCIONAL

A CRF é o volume de gás remanescente nos pulmões ao final de uma ventilação normal (volume corrente) e reflete o equilíbrio entre a tendência de expansão da caixa torácica e a tendência de colapso dos pulmões. O diagrama espirométrico abaixo ilustra a CRF e demais volumes pulmonares. Em um adulto saudável, a CRF é de 30ml/kg, totalizando 2100ml em um adulto de 70kg. Contudo, muitos pacientes que se apresentam para cirurgia tem CRF reduzida, o que por sua vez reduz a reserva pulmonar de O2. As causas dessa condição incluem obesidade, gestação, anestesia (com ou sem bloqueio neuromuscular) e doença pulmonar. Independentemente disso, a pré-oxigenação ainda será benéfica nesses pacientes em comparação com a ventilação em ar ambiente.

 

Calculando reservas de oxigênio

É possível calcular a oferta e o consumo de oxigênio para demonstrar os efeitos da pré-oxigenação:

A equação do gás alveolar é utilizada para calcular a PAO2:

PAO2 = PiO2 – [PaCO2/R]
Ventilando em ar ambiente (O2 a 21%):
PAO2 = 0,21 x (101,3 – 6,7) – 5,3/0,8 = 13,2 kPa = 99mmHg

Isso é equivalente a 13% (273ml) de oxigênio em uma CRF de 2100ml, sendo o conteúdo remanescente composto por 75% de nitrogênio, 7% de vapor d’água e 5% de CO2 utilizado no cálculo da equação do gás alveolar.

Para efeito de cálculo, o consumo de oxigênio em repouso é considerado como sendo 3,5ml/kg/min. Continuando com o exemplo de um adulto de 70kg, são consumidos aproximadamente 250ml/min de oxigênio. Portanto, nesse modelo, a CRF proporciona uma reserva de oxigênio equivalente a 70 segundos de consumo de oxigênio. Nem todo esse oxigênio pode ser extraído dos alvéolos; assim que a PaO2 diminui abaixo de 45mmHg, o gradiente de concentração é muito baixo para manter fluxo de oxigênio para a hemoglobina. Portanto, a quantidade de oxigênio utilizável nessa reserva é provavelmente cerca de 150ml. O tempo real até a dessaturação depende de um conjunto complexo de fatores, conforme descrito acima.

A pré-oxigenação é uma maneira altamente eficaz de prolongar o tempo até o esgotamento da reserva de oxigênio e consequente dessaturação.

Ventilando com O2 a 100%*:
PAO2 = (101,2 – 6,7) – [5,3/0,8] = 88kPa = 660mmHg

Isso equivale a aproximadamente 88% (1800ml) de oxigênio na CRF – equivalente a mais de 7 minutos de consumo de oxigênio, ou aproximadamente 10 vezes a quantidade de oxigênio utilizável em comparação com a ventilação em ar ambiente.

Isso demonstra que a substituição do nitrogênio da CRF com oxigênio aumenta significativamente as reservas disponíveis.

*Nota – este é um número teórico. Alcançar pré-oxigenação perfeita não é possível; 85% de ETO2 é uma meta razoável que ainda proporcionará 1500ml de oxigênio em reserva pulmonar no exemplo acima.

Shunt

Da mesma maneira que diminui o reservatório pulmonar de oxigênio, a relevância de uma CRF reduzida se estende à heterogeneidade da relação V/Q. A capacidade de fechamento é o volume pulmonar aquém do qual as pequenas vias aéreas se fecham. Se a CRF for reduzida para abaixo da capacidade de fechamento, as vias aéreas fechar-se-ão durante ventilação com volumes correntes, resultando em alvéolos que são perfundidos mas não ventilados. Isso é conhecido como shunt, um fenômeno que não é alterado pela administração de oxigênio a 100%.

APNÉIA

Durante o período de apnéia, o oxigênio continua a ser captado dos pulmões para o sangue. A absorção de oxigênio dos pulmões é consideravelmente maior do que o retorno de dióxido de carbono do sangue para os alvéolos (devido aos sistemas-tampão do organismo que absorvem grandes quantidades de CO2). A perda de volume resultante leva a uma pressão negativa que se desenvolve nos pulmões.

Se as vias aéreas superiores estiverem pérvias, o gás será continuamente conduzido da traquéia aos pulmões, de modo a equalizar o gradiente de pressão. Se o gás nas vias aéreas superiores for O2 a 100%, esse gradiente de pressão pode ser mantido por longos períodos. Esse fenômeno, comumente conhecido como o elevador do oxigênio, pode prolongar significativamente o tempo até a dessaturação. Deve-se notar que o dióxido de carbono não é transferido para fora dos pulmões durante esse processo, portanto haverá aumento gradual da PaCO2.

Se o gás nas vias aéreas superiores contiver baixa concentração de oxigênio, como o ar, o nitrogênio se acumula nos pulmões, sendo efetivamente concentrado, resultando na perda do gradiente de pressão e parada do fluxo.

Caso as vias aéreas estejam obstruídas durante esse processo, pressão pulmonar negativa desenvolver- se-á rapidamente. Não só isso resultaria em perda das vantagens do elevador de oxigênio, como também poderia causar colapso das vias aéreas e edema pulmonar.

Isso ressalta a manutenção da via aérea e aplicação de O2 100% como boas práticas durante a apnéia que se segue à indução da anestesia.

PRATICALIDADES

Diversos métodos foram descritos para atingir o processo de pré-oxigenação. Uma característica consistente foi a necessidade de bom acoplamento da máscara facial, evitando vazamentos que permitiriam a entrada de ar ambiente e, portanto, de nitrogênio. A seleção de uma máscara de tamanho apropriado é importante. Pode existir dificuldade em estabelecer vedamento adequado, particularmente em pacientes com barba ou edêntulos. Uma alternativa em situações como impossibilidade de prevenir vazamentos ou fobia intensa da máscara, é solicitar ao paciente que estabeleça vedamento em torno do cateter com a máscara removida, assegurando-se de que ele não respire pelo nariz (considerar uso de clip de nariz). Isso pode ser útil para pacientes que sofrem com claustrofobia com o uso de máscaras faciais.

Tempo

A duração necessária para pré-oxigenação foi extensivamente debatida e estudada, com opções incluindo 3 minutos de ventilação com volumes correntes, 4 ventilações de capacidade vital em 30 segundos ou 8 ventilações de capacidade vital em 60 segundos. Até certo ponto, esses regimes fixos são desnecessários na presença de ETO2 ventilação a ventilação, com o desfecho almejado sendo ETO2 > 85% (100% não é possível devido à presença de CO2 e vapor d’água). O tempo real necessário para pré-oxigenação adequada varia de paciente para paciente; pode ser atingido antes de 3 minutos, especialmente se o paciente tem uma CRF relativamente pequena, enquanto em outras circunstâncias pode demorar mais tempo. Na ausência de monitorização da ETO2, são recomendados tanto 3 minutos de ventilação com volumes correntes quanto 8 ventilações de capacidade vital em 60 segundos. Demonstrou-se que o método de 4 ventilações de capacidade vital em 30 segundos é inferior aos outros dois. Com qualquer um dos métodos, é vantajoso que o paciente exale completamente (até o volume residual) antes do início da pré-oxigenação.

O preenchimento da CRF com oxigênio pode ser descrito por uma curva de wash-in, e o processo inverso de denitrogenação é representado por uma curva de wash-out. Ambos os processos são negativamente exponenciais e permitem o entendimento dos métodos de pré-oxigenação sugeridos.

Constantes de Tempo

A curva de wash-out do nitrogênio corresponde à fórmula y = a.e-kt.

A constante de tempo de um processo exponencial é relacionada ao tempo necessário para o valor do exponencial (nesse caso, a quantidade de nitrogênio na CRF) para diminuir 37% em relação ao seu valor inicial. Como resultado, após quatro constantes de tempo o processo estará 98% completo. A constante de tempo relaciona-se à razão entre volume e fluxo, ou seja, a CRF e o volume minuto de ventilação alveolar (VA). Para um paciente de 70kg com volume corrente de 490ml (7ml/kg), uma frequência respiratória de 12 irpm e um espaço morto anatômico de 140ml (2ml/kg), VA seria 4200ml/min. Conforme explicado acima, a CRF é 2100ml. Consequentemente, obtém-se uma constante de tempo de 0,5 minutos.

A partir dos cálculos acima, é evidente que após 2 minutos (quatro constantes de tempo), 98% do nitrogênio da CRF terá sido removido e substituído por oxigênio. Um período de 3 minutos assegura uma margem de segurança para levar em consideração a variabilidade inter-pacientes.

Sistema de Ventilação

O sistema de ventilação utilizado durante a pré-oxigenação deve ser levado em consideração. Quando se utiliza um sistema circular, é necessário garantir fluxo de oxigênio maior que o volume minuto (Vm); ou seja, pelo menos 6L/min em um paciente de 70kg, com o objetivo de manter a concentração de 100% dentro do circuito. Altos fluxos (15L/min) são necessários se a ventilação for com capacidades vitais, ao invés de volumes correntes, devido ao volume minuto aumentado (Vm). Com um sistema de ventilação Mapleson D (circuito de Bain), altos fluxos de oxigênio (2-3x o Vm) são necessários para prevenir a reinalação de nitrogênio e dióxido de carbono expirados.

OUTRAS CONSIDERAÇÕES

Obesidade

Conforme explicado anteriormente, o equilíbrio entre reservas e consumo de oxigênio determina a taxa de dessaturação de um paciente. Pacientes obesos tem CRF reduzida (reserva diminuída) e uma taxa metabólica maior (consumo). Consequentemente, taxa de dessaturação desses pacientes é consideravelmente maior do que em não-obesos. Esse fato, somado a maiores taxas de dificuldade na ventilação sob máscara e intubação, torna a pré-oxigenação um ponto chave na tentativa de maximizar a PaO2 (reserva) desses pacientes. Outro ajuste ao processo é o posicionamento dos pacientes sentados, o que melhora a equação por meio do aumento da CRF em relação à posição supina: a elevação a 25° evidenciou redução significativa da taxa de dessaturação em pacientes obesos.

Gestação

A pré-oxigenação tem um papel importante no manuseio anestésico da paciente gestante. O aumento de volume do útero resulta em elevação do diafragma com consequente redução da CRF, possivelmente para abaixo da capacidade de fechamento. A demanda metabólica aumenta devido ao crescimento do feto e da placenta. Portanto, a dessaturação ocorre mais rapidamente. Ademais, o manuseio da via aérea é reconhecidamente mais difícil do que na população geral. A pré-oxigenação proporciona uma margem de segurança adicional caso as tentativas de estabelecimento da via aérea se prolonguem. Diferentemente de pacientes obesos, a posição de céfaloaclive a 25° não evidenciou redução na taxa de dessaturação em gestantes.

Sepse

Em pacientes criticamente enfermos e sépticos, o tempo até a dessaturação pode ser consideravelmente reduzido, devido a fatores como aumento do débito cardíaco e demanda de oxigênio e redução da taxa de extração tecidual de oxigênio associada à sepse. É provável que haja maior heterogeneidade da relação V/Q, contribuindo para a velocidade da dessaturação. Nesses pacientes, pode ser difícil atingir saturações de oxigênio próximas de 100%, mesmo com a administração de oxigênio a 100%. Ainda assim, a denitrogenação adequada da CRF do paciente antes da intubação (e apnéia associada) contribuirá para adiar a dessaturação.

População Pediátrica

Crianças podem ser menos tolerantes ao processo da pré-oxigenação. Contudo, o seu uso deve ser cuidadosamente considerado, uma vez que crianças têm taxas metabólicas maiores que adultos e, portanto, dessaturam mais rapidamente. Muitas crianças cooperam com o processo quando este lhes é explicado, e esforços devem ser feitos para fazê-lo em pacientes sob alto risco de dessaturação.

Extubação Traqueal

Boa parte do texto acima refere-se ao uso da pré-oxigenação antes da indução da anestesia. Deve-se levar em consideração que os mesmos princípios se aplicam antes da extubação traqueal, de modo a aumentar a reserva de oxigênio da CRF para a eventualidade de uma complicação com a via aérea ocorrer nesse período. A correlação com ETO2 é útil para assegurar denitrogenação adequada.

CUIDADOS

Um efeito deletério da administração de O2 a 100% é a atelectasia que resulta da absorção do oxigênio de alvéolos mal ventilados, levando ao colapso alveolar. Contudo, esse problema pode ser facilmente remediado através do uso de manobras de recrutamento e não deve ser visto como uma contra-indicação ao uso apropriado da pré-oxigenação. Uma vez que se estabeleça via aérea segura, a FiO2 pode ser reduzida para um nível adequado para o paciente.

Existem raras circunstâncias em que o equilíbrio entre risco e benefício pode não favorecer o uso de oxigênio a 100%, como em pacientes tratados com bleomicina e em portadores de condições em que a vasculatura pulmonar seja sensível a mudanças na FiO2. É possível que, nesses últimos casos em especial, altas FiO2 devam ser evitadas; a opinião de especialistas deve ser consultada. A bleomicina é associada a pneumonite, que pode ser potenciada por altas FiO2. Os curtos períodos de tempo nos quais oxigênio a 100% é utilizado no contexto da pré-oxigenação são considerados seguros quando balanceados com uma FiO2 de manutenção mais baixa. Detalhes adicionais a respeito desse tópico estão além do escopo deste artigo.

SUMÁRIO

A pré-oxigenação é:

  • Segura
  • Simples
  • Barata
  • Efetiva
  • Bem-tolerada

Quando realizada adequadamente, a pré-oxigenação prolonga o tempo até a dessaturação na presença de apnéia.

A manutenção de via aérea pérvia com aplicação contínua de oxigênio durante apnéia prolonga adicionalmente o tempo até a dessaturação.

RESPOSTAS ÀS QUESTÕES

Questões de múltipla escolha:

  1. VFVVV, Obesidade, gestação e anestesia geral reduzem a CRF, bem como a mudança da posição ortostática para a posição supina. A idade avançada por si só não reduz a CRF, porém a capacidade de fechamento pode se aproximar do volume corrente com o avançar da idade.
  2. VVFFV, A equação do gás alveolar é utilizada para responder a essa pergunta. Altas altitudes são associadas a reduções na pressão atmosférica e, portanto, da pressão parcial de oxigênio. A hipoventilação reduz a PaCO2. Apesar do aumento de peso/obesidade reduzirem a CRF, isso não afeta a PAO2.
  3. Questão de resposta única: B, Dos métodos de pré-oxigenação citados, recomenda-se apenas a manobra de 8 ventilações de capacidade vital de O2 a 100% em um minuto através de máscara facial bem-acoplada. Apesar de ser possível pré-oxigenar adequadamente um paciente com 3 minutos de ventilação com O2 a 100%, o risco de vazamento é significativo quando o paciente segura a própria máscara facial.

REFERÊNCIAS E LEITURA COMPLEMENTAR

  1. Tanoubi I, Drolet P, Donati F. Optimizing pre-oxigenation in adults. Can J Anesth (2009) 56:449-466
  2. Hardman JG, Wills JS, Aitkenhead AR. Factors determining the onset and course of hypoxaemia during apnoea: an investigation using physiological modelling. Anesth Analg 2000; 90:619-24
  3. Wills J, Sirian R. Physiology of apnoea and the benefits of pre-oxigenation. Continuing Education in Anaesthesia,
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