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Regional Anaesthesia

Tutorial 422

Lesão Nervosa em Anestesia Regional

Ben Carey1, Michael Barrington

  • Fellow Temporário, Hospital St. Vincent, Melbourne, Australia
  • Consultor, St. Vincents Hospital e Universidade de Melbourne, Melbourne, Australia

Editado por: Dr. Gill Foxall, Anestesiologista Consultor, Royal Surrey County Hospital, Guildford, UK, e Dr. Su Cheen Ng, Consultor em Anestesiologia, University College

Hospital, Londres, Reino Unido

† e-mail do autor para correspondência: bencarey81@yahoo.co.uk

Publicado em 14 Abril 2020

 

Tradução e supervisão pela Comissão de Educação Continuada / Sociedade Brasileira de Anestesiologia

Published April 14, 2020

PONTOS-CHAVE

  • A etiologia da lesão nervosa periférica (LNP) secundária ao bloqueio de nervos pode se dar por causas mecânicas, isquêmicas, inflamatórias ou por toxicidade direta.
  • Vários métodos têm sido propostos para reduzir o risco de lesão nervosa relacionada a bloqueio, incluindo a escolha da agulha, uso de estimulação dos nervos periféricos, monitorização da pressão de injeção, ulltrassonografia ou uma combinação dessas estratégias.
  • A técnica ecoguiada é singular por fornecer a trajetória em tempo real da agulha e por conseguir detectar a inserção intraneural da agulha, minimizando o risco potencial de lesão nervosa.

O tratamento efetivo da LNP inclui uma excelente comunicação com o paciente e demais profissionais da saúde e, se necessário, encaminhamento precoce a um especialista em neuropatias periféricas

INTRODUÇÃO

O Bloqueio de Nervos Periféricos (BNP) está associado a uma série de complicações em potencial, incluindo punção vascular inadvertida e hematoma associado, dano inadvertido a outras estruturas (ex. pleura),  toxicidade sistêmica por anestésico local, miotoxicidade, infecção, má-inserção ou migração de catéteres, bloqueio do local errado e lesão nervosa. Embora as lesões nervosas associadas a BNP sejam frequentemente temporárias, as consequências potenciais de longo-prazo de lesão nervosa subsequente ao BNP incluem deficits sensoriais e motores, dor neuropática e incapacidade permanente, com uma diminuição associada da qualidade de vida do paciente. A incidência estimada de lesão nervosa séria e de longo prazo  relacionada a BNP é de 2 a 4/10.000 bloqueios.¹ Esta incidência é difícil de ser quantificada devido à falta de dados epidemiológicos abrangentes, sub-notificação potencial e dificuldades em atribuir causalidade. A incidência também pode variar de acordo com o tipo de bloqueio realizado. ² Este artigo tem como objetivo explorar a fisiopatologia da lesão nervosa por BNP, sugerir estratégias preventivas e oferecer uma abordagem sensata em relação ao seu tratamento.

ANATOMIA

Os nervos periféricos consistem de axônios agrupados em feixes por 3 camadas separadas de tecido conjuntivo (ver Figuras 1a, b). A maior parte dos axônios é mielinizada, com uma célula de Schwann que reveste o axônio com mielina e espaços conhecidos por nodos de Ranvier, espaçados em intervalos para otimizar a condução de impulsos nervosos. O axônio e a estrutura da célula de Schwann responsável pela mielinização é chamada de fibra nervosa e é a unidade functional do complexo de nervos periféricos. Esta é recoberta ao longo do comprimento da fibra pelo endoneuro, a camada mais interna de tecido conjuntivo que contribui para o meio especializado que protege os axônios.

As fibras nervosas são então agrupadas em fascículos envolvidos pelo perineuro, que atua como a principal camada protetora do axônio. Os fascículos são agrupados em feixes de nervos periféricos, envolvidos por uma camada externa chamada de epineuro.

 

 

 

Figura 1. (a, b) Estrutura nervosa. A estrutura do nervo é organizada pelas camadas de tecido conjuntivo por fora, ao redor de cada fascículo e envolvendo as fibras nervosas individualmente (fonte do tecido: símio). LM 3 40. (Micrógrafo fornecido pelos Regentes da Faculdade de Medicina da Universidade de Michigan 2012). Fonte: livro Anatomy and Physiology OpenStax, distribuído sob a Licença Internacional Creative Commons Attribution 4.0. Nenhuma alteração foi feita nas fotos ou legendas.

Enquanto o perineuro é uma bainha epitelial escamosa resistente com fibras de colágeno e fibroblastos agindo como uma barreira impermeável a toxinas em potencial (incluindo anestésicos locais), o epineuro é uma barreira permeável  que consiste de fibras de colágeno e vasos sanguíneos, que confere aos nervos sua aparência macroscópica e sonográfica característica. Nervos periféricos recebem seu suprimento sanguíneo por meio de uma rede capilar dentro do endoneuro, conhecida por vasa nervorum, e por meio de arteríolas, veias e capilares no epineuro.

Avançando mais distalmente, as propriedades físicas de um nervo e sua resiliência à lesão mecânica se alteram. As raízes nervosas têm resistência à tração e elasticidade reduzidas quando comparadas aos nervos periféricos. As raízes dos nervos espinhais têm risco aumentado de lesão mecânica e química devido à ausência da camada protetora tanto do perineuro como do tecido conjuntivo intraneural.  Mais distalmente, o curso do complexo de nervos periféricos fica ondulado, ficando levemente mais alongado. Isto, combinado a uma fixação um tanto frouxa às estruturas adjacentes e o uso de tecido conjuntivo agindo como preenchedor entre estruturas especializadas ( ex. nervos ou músculos), atribui ao nervo distal alguma tolerância de extensão, movimento e elasticidade.3

CLASSIFICAÇÃO DA LESÃO NERVOSA

A lesão nervosa pode ser classificada de acordo com o grau de disfunção usando-se a classificação de Seddon ou de Sunderland (ver a Tabela). A classificação de Seddon é utilizada com maior frequência, com 3 níveis de lesão descritos. A maior parte das lesões nervosas são mistas, com fascículos diferentes apresentando características distintas da lesão.

FISIOPATOLOGIA DA LESÃO NERVOSA

A fisiopatologia da lesão nervosa através de BNP nem sempre é clara, embora possa ocorrer devido à lesão mecânica (por trauma direto da agulha ou efeitos de pressão), toxicidade do fluido injetado, lesão inflamatória e lesão isquêmica.4 Pode também haver fatores não relacionados a BNP, incluindo manipulação cirúrgica ou lesão mecânica direta, isquemia por torniquete, neuropatias pré-existentes, posicionamento do paciente por exigências cirúrgicas (incluindo membros insensíveis), ou gesso pós-operatório. Finalmente, o bloqueio não-intencional de outros nervos pode ocorrer, por exemplo: bloqueio do nervo simpático, laríngeo recorrente  e frênico, em associação com bloqueios interescalênicos (ver a caixa de Informações sobre Nervo Frênico).

Lesão Mecânica

A lesão mecânica pode ocorrer via trauma direto por agulha ou inserção de catéter em nervos periféricos. A ruptura do perineuro pode levar à lesão axonal direta ou extravazamento de conteúdo fascicular e perda do meio protetor, o que, subsequentemente, pode expor os axônios a concentrações mais altas de anestésico local (com toxicidade associada). Pode também haver algumas alterações celulares e inflamatórias localizadas. Outro efeito deletério relacionado à falta de resiliência/compliance perineural é o aumento na pressão de injeção, o que leva a uma interrupçção do suprimento sanguíneo e isquemia.

A lesão mecânica também difere de acordo com o local da injeção devido a proporções neurais e de tecido conjuntivo diferentes. Ter mais tecido conjuntivo diminiu relativamente a possibilidade de uma agulha adentrar um fascículo em si.  Mesmo que uma agulha penetrar um nervo, é mais provável que os fascículos sejam afastados para longe, diminuindo o risco de injeção intraneural, enquanto que ter mais tecido neural e menos tecido conjuntivo aumenta o risco de lesão fascicular (ver Figura 2). Como exemplo, o plexo braquial do tronco tem uma proporção maior de tecido neural e uma taxa mais alta de neuropatia pós-operatória após BNP interescalênico do que seria esperado.5,6 Geralmente, podemos dizer que a proporção de tecido conjuntivo não-neural para tecido neural aumenta de proximal para distal, com uma diminuição concomitante no risco de lesão de  nervos periféricos (LNP).

Toxicidade

Todos os anestésicos locais utilizados em concentrações clinicamente relevantes podem ser potencialmente neurotóxicos. Uma série de processos fisiopatológicos têm sido postulados, desde vasoconstricção até disrupção mitochondrial, apesar de o efeito se dependente da dose. O local de administração de anestésico local é o fator mais importante para a toxicidade, com injeção intrafascicular levando a  mais lesão do que injeções intra ou extraneurais.  A adição de adjuvantes pode também ter um papel na neurotoxicidade (ex: adrenalina pode interromper o fluxo sanguíneo neural).

Lesão Inflamatória

A lesão inflamatória cada vez mais é reconhecida como tendo um papel em algumas neuropatias relacionadas ao BNP; por exemplo, respostas inflamatórias não-específicas têm sido sugeridas como sendo o mecanismo de paralisia diafragmática crônica após bloqueio interescalênico, resultando em aderências, espessamento fascial, alterações vasculares e compressão do nervo por tecido cicatricial.7 A injeção intraneural de gel ultrasonográfico também tem implicação nas alterações inflamatórias.8

ILUSTRAÇÃO 1. INFORMAÇÕES DO NERVO FRÊNICO

O bloqueio do nervo frênico e paralisia hemidiafragmática são complicações relativamente comuns dos bloqueios do plexo braquial interescalênico (BIEs). Durante BIEs, pode haver dispersão de anestésico local sob a fascia prevertebral anterior ao músculo escaleno anterior ou dispersão craniana de anestésico local até a raiz ventral de C4.  Os riscos de acometimento do nervo frênico aumentam à medida em que o volume aumenta (com 100% de bloqueio relatado com volumes de 30- a 40-mL). A redução da dose diminui os riscos, assim como o uso de ultrassonografia e injeção mais baixa (uma vez identificado C7). Finalmente, a realização de bloqueios do plexo braquial (tais como supraclaviculares ou axilares) anula o risco de bloqueio do nervo frênico.

Figura 2. Diferenças relativas entre tecido neural e conjuntivo. Perceba no (A) a abundância relativa de tecido conjuntivo, tanto que a agulha tem mais probabilidade de não atingir o tecido neural e de empurrá-lo para o lado. Entretanto, no (B) há uma proporção mais alta de tecido neural para conjuntivo, de modo que a penetração fascicular é mais provável quando associada à LNP. Fonte: Cortesia de M. Barrington.

Lesão Isquêmica

A Isquemia local ou difusa ocorre a partir de oclusão direta por hemorragia aguda ou via lesão vascular, ambas podendo alterar o suprimento vascular neural. Cerca de 50% do suprimento vascular dos nervos periféricos advém através da rede de capilares conhecida como vasa nevorum. Isto significa que a disrupção deveria localizar (e minimizar) o dano, com o suprimento sanguíneo colateral remanescente auxiliando a perfusão, uma vez que nenhum vaso único domina a perfusão. Conforme mencionado anteriormente, os anestésicos locais e seus adjuvantes podem afetar o suprimento vascular, assim como trauma, alta pressão de injeção, torniquetes ou hematomas extra ou intraneurais.

MINIMIZACÃO DE RISCO DE LNP

Uma série de estratégias podem ser empregadas para reduzir o risco potencial para o seu paciente. Estas podem variar de técnicas básicas a mais avançadas e podem ser usadas em combinação (ex: usando estimulação de nervos periféricos ou monitores de pressão de injeção ecoguiados).

Escolha da Agulha

Uma agulha biselada curta tem menor probabilidade de penetrar o perineuro se comparada à uma agulha biselada longa, provavelmente porque os fascículos deslizam para longe da ponta, o que resulta em menor probabilidade de dano. Entretanto, caso ocorra dano fascicular, as lesões secundárias às agulhas biseladas curtas são mais graves.9 O aumento no diâmetro da agulha também está associado a um aumento na gravidade da lesão nervosa,10 assim como o aumento na força de avanço.

Parestesia

As evidências que vinculam parestesia à LNP subsequente não são muito claras. 11 Como tal, a não-elicitação de parestesia na injeção não exclui LNP de modo confiável. Entretanto, parestesia grave ou dor no avanço da agulha ou injeção podem implicar inserção intraneural. Para impedir qualquer lesão em potencial o médico deve parar e reposicionar a agulha ou interromper a injeção. Fatores como sedação, comorbidades (ex.: neuropatia periférica), capacidade do paciente de comunicar ou perceber dor e bloqueio sensorial do anestésico local já presentes podem afetar a avaliação de parestesia.

Estimulação de Nervos Periféricos

Estudos têm demonstrado que os limiares mínimos de corrente necessários para elicitar uma resposta motora são diferentes dependendo de como se dá a inserção da agulha: extra ou intraneural. Um estudo clínico demonstrou que não houve resposta motora a 0.2 mA a não ser que a agulha tivesse inserção intraneural.12 Isto corrobora as evidências em animais que demonstram que limiares de corrente semelhantes sugerem inserção intraneural da ponta da agulha. Acredita-se que a estimulação de nervos periféricos seja uma indicação específica de inserção intraneural (para que uma resposta motora elicitada a 0.2 mA possa ser obtida somente a partir de inserção intraneural). Isto é provável porque a resposta motora está relacionada à distância agulha-axônio. Por via de regra, a não elicitação de resposta motora a  0.5 mA antes da injeção de anestésico local é provavelmente segura.

Monitorização da Pressão de Injeção

A inserção Intrafascicular da ponta da agulha pode resultar em altas pressões de injeção de abertura e está associada à lesão nervosa. Ao contrário, a inserção extrafascicular da agulha está associada a  pressões mais baixas. A inserção de ponta da agulha contra um plano fascial ou borda epineural de um nervo pode também resultar em altas presssões de injeção. 13 A maior parte das pesquisas nesta área utiliza modelos animais, mas um estudo com cadáveres humanos apresentou altas pressões (.30 psi) após a injeção diretamente nas raízes do plexo braquial (com 1 entre 30 casos levando à dispersão da solução injetada dentro do espaço epidural) .14  Pesquisas sugerem uma boa sensibilidade com baixa especificidade para monitorização da pressão, porém, atualmente, a avaliação exata das pressões de injeção manual é limitada.  Novas tecnologias estão sendo desenvolvidas e testadas em estudos de menor escala, mas as evidências até agora são limitadas. Entretanto, é provável que evitar altas pressões de injeção (postuladas em 15 psi) melhora a segurança e é justificável do ponto de vista clínico.

Ultrassonografiia

O método ecoguiado tem se tornado preeminente na realização de BNPs, pois acredita-se que a visualização da agulha oferece maior margem de segurança. Entretanto, a incidência de LNP não tem apresentado alterações com o aumento do uso da ultrassonografia. Atribui-se a isto diferenças na obtenção de imagens de boa qualidade, que dependem do operador e do paciente, o fato de que a resolução da ultrassonografia atualmente não permite diferenciar entre inserção intra e extrafascicular da ponta da agulha e o fato de que, no momento em que um fascículo se expande com o anestésico injetado, pode ser tarde demais para se evitar a LNP. Há, entretanto, uma série de técnicas disponíveis para minimizar o risco por parte do operador de ulltrassonografia.

Evitando Injeção Intraneural

Ter como alvo o tecido conjuntivo que envolve o nervo, sendo portanto extraneural, deve proporcionar anestesia regional segura e eficaz, o que, em termos práticos, significa ter como alvo o lado do nervo (e não diretamente o mesmo). Embora o autor de um estudo tenha sugerido que injeção intraneural nao resultará necessariamente em lesão neural,15  o estudo foi limitado por um tamanho de amostra pequeno, viés de seleção e perda do seguimento do paciente. Um segundo estudo documentou uma ausência de diferença entre injeção intraneural e extraneural em lesão eletrofisiológica. Porém, seus achados foram generalizados no que se refere ao recrutamento de sujeitos hígidos somente e o conhecimento especializado dos operadores que interrompiam a injeção caso fosse detectada parestesia ou dor, mantendo a pressão de injeção menor que 15 psi. Recomendamos que o alvo da agulha seja extraneural, por fora da borda externa (epineuro) do nervo, mas ainda sob o tecido conjuntivo, permitindo uma boa dispersão do anestésico injetado (ver Figura 3). Ao ultrasssom, uma injeção de baixa pressão na área entre o perineuro e o tecido conjuntivo deve resultar em hidrodissecção (ou seja, expansão desta area via pressão hidrostática com a assinatura escura do anestésico injetado). Observe que, ainda que a injeção intraneural possa ser detectada como expansão nervosa durante o bloqueio, isto nem sempre ocorre, especialmente com pequenos volumes.

Planejando uma Trajetória para Evitar Dano a Estruturas que Incluem Nervos

Algumas estruturas não aparecem ao ultrassom tão nitidamente quanto outras, aumentando, assim,  o risco de dano acidental, de forma que deve-se tomar cuidado ao escolher uma trajetória potencial da agulha.   Por exemplo, ao realizar bloqueio ciático poplíteo, o

nervo fibular comum pode não estar tão visível quanto o nervo tibial e pode também ter um curso oblíquo. Sendo assim, deve-se ter cuidado ao escolher a trajetória para evitar dano ao nervo fibular comum quando se tenta bloquear o nervo tibial (ver Figura 4).

O uso da hidrodissecção para abrir uma rota de trajetória da agulha pode deslocar estruturas para que fiquem fora do caminho, proporcionando uma rota mais simples até o alvo desejado. (ver Figura 5). Além disso, reduzir o número de passos necessários para atingir a dispersão também reduz a probabilidade de lesão; muitas vezes basta passar por um lado do nervo para se atingir o efeito exigido, por exemplo, se você estiver tentando obter analgesia no pós-operatório ao invés de anestesia cirúrgica no perioperatório  (desta forma tentando envolver todo o nervo em anestésico local) ou se um nervo for pequeno (ex: o nervo músculocutâneo), para que o anestésico injetado seja difundido rapidamente por todo o nervo.  Frequentemente, ao injetar em um lado do nervo, o anestésico local se difunde com sucesso de modo a envolver o nervo, embora você precise escanear de cima a baixo para ver isto.

Figura 3. Alvo extraneural com a ponta da agulha para bloqueio do nervo ciático poplíteo, com boa dispersão de anestésico local entre o epineuro e o tecido conjuntivo. Sob ultrassonografia, uma injeção de baixa pressão na área entre o epineuro e o tecido conjuntivo deve resultar em hidrodissecção. Fonte: Cortesia de M. Barrington.

Figura 4. Planejamento da trajetória da agulha. Deve-se ter cuidado para procurar os nervos que não são visualizados facilmente pela ultrassonografia. Por exemplo, ao realizar um bloqueio ciático poplíteo, o nervo fibular comum (1) pode não estar tão visível quanto o nervo tibial (2) e também pode ter um curso oblíquo. Desta forma, deve-se ter cuidado ao escolher uma trajetória para evitar dano ao nervo fibular comum quando se estiver tentando bloquear o nervo tibial (prudente escolher a rota 4 e não a 3. Fonte: Cortesia de M. Barrington.

Figura 5. Ilustração de um bloqueio do plexo braquial axilar em plano, oferecendo um exemplo de como o anestésico injetado pode hidrodissecar o tecido próximo a um nervo e criar espaço para que a agulha avance sem causar trauma ao nervo.   M, nervo mediano; u, nervo ulnar; r, nervo radial; mc, nervo músculocutâneo; AA, artéria axilar; CJ, tendão conjunto;  TM, músculo teres major/redondo maior. Fonte: Cortesia de M. Barrington. (1) Interromper o avanço da agulha neste ponto e iniciar a hidrodissecção. (2) A hidrodissecção pode criar espaço para o avanço da agulha e melhorar a visibilidade da agulha e do nervo. Manter pressão constante no transdutor para que a veia permaneça colabada. (3) Nervo mediano deslocado criando espaço para o avanço da agulha. (4-6) Injetar e avançar. (7) Acesso alternativo para o nervo radial. (8) Bloquear o nervo músculocutâneo.  

Tratamento da Lesão de Nervos Periféricos

Mesmo que os passos ilustrados acima sejam realizados, ainda podem ocorrer LNPs, embora, felizmente, este seja um evento pouco frequente ou raro. Qualquer deficit motor agudo exige avaliação e tratamento rápidos, incluindo-se exame de imagem (ver Figura 6). É importante descartar ou diagnosticar patologia reversível, incluindo síndrome compartimental, transecção cirúrgica de nervo ou compressão externa (ex, devido a gesso apertado, hematoma), exigindo conduta oportuna. Mesmo onde houver suspeita de LNP, pode ser difícil estabelecer um diagnóstico após anestesia prolongada (tanto geral como local), limitações funcionais ou relacionadas à dor ao exame clínico, curativos/gesso externos e assim por diante, ou um mal-entendido quanto à duração do bloqueio (por parte dos pacientes e dos próprios colegas profissionais da saúde). Uma vez diagnosticada a lesão, uma boa comunicação com o paciente é essencial, com anotação clara dos eventos que levaram à LNP e quais os passos de conduta/tratamento e discussão com o paciente foram tomados.

Figura 6. Algoritmo RA-UK para tratamento de lesão nervosa associada à anestesia regional. Reimpresso com permissão da Dra. Svetlana Galitzine.

Particularmente, é importante ter um exame neurológico bem documentado, uma vez que isto pode servir como uma linha de base que vai servir de comparação para qualquer progresso futuro. É importante que haja documentação abrangente tanto da perspectiva de comunicação interdisciplinar, como para quaisquer consequências médico-legais que possam ocorrer posteriormente.

A comunicação inicial deve incluir transmitir confiança ao paciente e a observação de que a maioria das LNPs é resolvida por si só; cerca de 95% das alterações sensoriais pós-operatórias se resolvem dentro de 4 a 6 semanas (sendo que a grande maioria apresentam cura dentro da primeira semana) e 99% no primeiro ano. Entretanto, deficits motores e neuropatias em evolução, graves ou completas são um sinal de uma LNP mais séria e deve-se fazer encaminhamento urgente a um neurologista. As investigações recomendadas podem incluir estudos de eletromiografia ou condução nervosa. Em todos os casos, o clínico geral do paciente deve ser contactado, com acompanhamento para garantir a resolução da LNP. Ter uma rede de segurança também é importante, ou seja, pedir que o paciente entre em contato com a equipe de anestesiologia ou que se reapresente a um profissional da saúde se os sintomas não se resolverem ou se houver piora.

 

REFERÊNCIAS

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